São momentos como
estes, em que todos juntos e apesar das más condições em que seguíamos no
“Paquete de 5 estrelas UIGE”, não se vislumbrava naqueles jovens rostos alguma
tristeza. As mesas, com os militares bem aconchegados e “guarnecidas de
suculentos alimentos e acompanhados de vinho Alvarinho!”, pelo contrário,
mantinha-os alegres e sorridentes. A imagem é prova disso? Mesmo no alto-mar,
os quatro Magníficos se mantêm inseparáveis, ”mesa pequena”.
Foram mais de dois anos
passados juntos e em situações mais ou menos adversas. Por isso, todos temos uma
qualquer história para contar e esta, no Barco, é uma delas.
Estávamos no início de
uma longa viagem, longe de tudo e todos, no entanto, tivemos sempre por
companhia a senhora água. Tão dedicada e delicada se prestou que ao fim do
primeiro dia sobre o seu manto, e por via das ondas que por todo ele fazia, fui
acometido de um indesejado enjoo, tendo, por isso, sujado, de alguma forma, sua
esplendorosa, mas não menos tenebrosa, formosura. A partir dali, os problemas
aumentaram. Era inquestionável a fragrância que imanava no interior do UIGE,
vinda dos “luxuosos e requintados” aposentos que o Zé-militar tão deliciado e sensibilizado
ocupava.
Eu, no entanto, e
porque provinha de uma linhagem sem pergaminhos de luxúria, enveredei por mudar
de aposentos, buscando, porventura, uma melhor paz física e um deslumbramento
sem limites, tendo a proeza de escolher a proa do Navio. Via-me porém, todos os
dias, na obrigatoriedade de descer, ainda a luz que nos permite viver não
aparecia no horizonte, à luxúria que anteriormente ocupava e desprezei, mas que
ainda mantinha, para guardar o manto com o qual me aconchegava durante as belas
noites, e também fugir da mangueira de água, que todos dias era usada para a
lavagem da coberta por volta das 6 horas da manhã. Era de fazer inveja aquela hospitaleira
esplanada. A toda à nossa volta tudo se via e nada se vislumbrava. No entanto,
tínhamos um teto lindíssimo. Todas aquelas luzes e constelações encantadoras
alimentavam os nossos fascinantes sonhos.
Tenho falado quase
sempre no plural, mas há uma razão para isso. É que, logo que eu tomei a
iniciativa de deixar o porão, local que ocupávamos em estreitos beliches de
madeira respirando um cheiro difícil de aguentar, os meus três companheiros, do
Grupo “os Inseparáveis,” Carvalho, Almeida e Boavista”, seguiram as minhas
pisadas, e assim, até admirando o brilho das estrelas e levando com os salpicos
das ondas, o fazíamos juntos.
Alguns dias se passaram e tudo parecia igual, nada
sobressaía daquela rotina.
Estávamos então
próximos da linha Equatorial quando constatámos que o “luxuoso paquete” fazia a
sua primeira escala e por horas indeterminadas. Estávamos atracados. A “ilha” era
estranha, porém, tinha tanto de fascinante e deslumbrante como ilusória. Vários
comentários absorviam todos os momentos que intercederam entre a paragem e a
partida. Nem tudo corria como o planeado, diziam uns. Estamos imóveis porquê, questionavam-se outros. Autorização de sair
não havia. A ponte não é descida. Se queríamos apear-nos em algum lado
deveríamos fazê-lo onde estávamos. Verificou-se, entretanto, que a força que
nos vinha empurrando desde a partida de Lisboa falhou no confronto com aquele
manto ondulante e estonteante, e poderosamente imenso. O combate durou uns
tempos, mas como tínhamos como destino um porto mais para Sul, e depois de
recuperado o folgo, a força dos muitos cavalos que detinha o nosso transporte põe-nos
novamente em movimento, deixando para trás um sulco de raiva. E assim, perante
um mar azul e depois de navegarmos acompanhados e guiados durante vários
momentos por alguns amigos Golfinhos, chegámos a uma Baía de águas calmas, era
o fim de uma viagem. Luanda estava ali a um passo.
Manuel de Jesus Freitas - Ex-Condutor
2015.02.03