Primeira Parte (Carvalho)
Quando
embarcámos em Lisboa com destino à Província de Angola, no barco de nome UIJE, este
ia a romper pelas costuras. As praças, “militares”, terão sido todas ou quase acomodadas
no porão do Navio, porão esse requalificado uns dez anos antes, para assim
transportar mais quantidade de seres humanos. Tipo sardinha em lata. Paquete transformado.
Não sei se era verdade, mas falava-se que o Navio transportava perto de quatro
mil almas! A ser assim, levava três vezes mais que ao tempo em que foi lançado
ao mar. Já em alto-mar, constatámos que as condições no interior (porrão) do barco, para se passar as noites, eram insuportáveis.
As duas primeiras foram suficientes para verificar isso, e tomar uma decisão. Não
só pelos odores que pairavam no ar, como pelas temperaturas elevadas que se
faziam sentir, entendi, e de acordo com os meus amigos Almeida e Boavista, irmos
fazer companhia ao amigo Freitas que, na coberta do navio, já ali tinha passado
uma ou duas noites. A partir de então, a proa do navio foi a Suite encontrada para dormir e passar as
noites que ainda faltavam para o fim da viagem. Fomos de algum modo afortunados,
nunca choveu e, por isso, foram noites Cinco Estrelas, isto é, passadas sob as
estrelas que, no firmamento, fizeram questão de nos fazer sempre companhia. Não
pensem, porém, que tudo eram rosas. Durante toda a restante viagem tivemos
sempre um senão! Valia-nos contudo o nosso despertador “silencioso” biológico,
que nos ia dando o sinal para dali saímos a tempo e horas, caso contrário, acordaríamos
com um banho de chuveiro madrugador e, dadas as circunstâncias, nada
recomendável. É que, diariamente, ao romper da Aurora, alguns membros da
tripulação tinham como tarefa lavar com uma mangueira com água à pressão toda a
coberta do navio, os nossos aposentos
improvisados.“
Durante
os 13 dias de viagem passados em alto-mar só tivemos uma vez a visualidade de
terra, e muito ténue, as Ilhas Canárias. Ao avistarmos estas ilhas, e mediante
o que aprendi na escola primária, já teríamos deixado para trás, e do nosso
lado direito, as nossas pérolas do mar, as ilhas da Madeira e Porto Santo. Mais
para Sul, ainda teríamos que passar por Cabo Verde, posicionado à nossa direita,
e, um pouco mais abaixo, à esquerda, a Guiné, assim designada à altura por
Portugal. Desta, e à tangente, se safou o meu e nosso amigo Almeida.
Especificando: do nosso grupo de condutores, no R.I. 6, da Senhora da Hora, foi
o último a ser incorporado no Batalhão com destino a Angola. O número que o
procedia foi destacado para aquela então Província (Guiné). Ainda passaríamos,
relativamente longe, sem possibilidades de ser avistado, o Arquipélago de S.
Tomé e Príncipe, que fica no Golfo da Guiné, no interior oceânico próximo de
África e próximo da Guiné Equatorial e do Gabão, um pouco antes de Angola, onde
chegaríamos finalmente, atracando na Baia de Luanda quando o calendário nos
indicava o dia 21 de Maio de 1969.
Desembarcados, imediatamente fomos
transportados para o Grafanil, onde nos esperavam, diga-se, “vistosas
instalações”. Ainda hoje recordo esse dia! Estávamos em cima da hora do almoço
e através dos altifalantes ouviam-se uns sons muito familiares. Era a voz melodiosa
e inconfundível da nossa DIVA do Fado, Amália Rodrigues. Misturado, porém, com esses
sons, pairava no ar um cheirinho deliciosamente apetecível, que me trazia à
lembrança uma determinada zona marginal de Matosinhos: era o perfume imanado do
assar de sardinhas, ali por perto, manjar, aliás, que faria parte do Rancho que
nos iria ser servido. Apesar de tudo (e não obstante imaginar que para alguns
poderá parecer estranho), por vezes, ainda lembro esse momento com muita
nostalgia.
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Uíge |
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Em Luanda no dia seguinte à chegada |
Segunda Parte (Freitas)
SEMPRE PRIMEIROS
(MVL: LUANDA - S. SAVADOR DO CONGO)
Já
saciados, e muito bem instalados em requintados e ostentosos aposentos, os
primeiros dias passaram-se com o desfazer das malas e algumas escapadelas até à
Capital, Luanda, tendo mesmo o privilégio de, por vezes, sermos transportados
em confortáveis “expressos” Diamonds, veículo de robustez soberba, movido a
gasolina, tendo como consumo uns modestos 100 litros aos 100
quilómetros. Coisa pouca, não acham? Momentos únicos, aliás, aproveitados para
tentar conhecer a “linda”cidade e sua esplendorosa marginal, mas, também, para
saborear as iguarias, como os churrascos, por exemplo, que, nos seus domínios, constava
haver. Estes factos foram, nas primeiras oportunidades, imediatamente
constatados e desfrutados. Entretanto, passados os primeiros dias e quando
ainda não se tinha assentado as “poeiras” de uma longa viagem, entre Continentes,
foram distribuídos à companhia 2506 os dois primeiros Unimogs, os famosos “burros
do mato”, sendo eu, Freitas, e o amigo Carvalho os
privilegiados, porque os primeiros, a receber
as primeiras viaturas, e por isso,também, os primeiros e os únicos condutores a
participar naquele que seria o primeiro serviço, onde militares da Companhia
2506, “ fora de portas”, desde a chegada, sairiam com funções previamente
definidas. Mas não fomos só nós. No total, iriam ser 8 os Unimogs, sendo que os
restantes 6 foram atribuídos às outras três Companhias do Batalhão, ou seja, 2
a cada uma. Já na posse dos “fabulosos e consoláveis”pequenos “burros do mato”,
os 8 condutores eram informados pelos seus Comandantes de Companhia, do
primeiro trabalhinho e responsabilidade que tinham pela frente. Não haveria
mesmo qualquer possibilidade de realizar alguma adaptação à cela dos afamados "Burros do Mato", porque o tempo escasseava. Só tivemos tempo, aliás, de
alimentar bem o Burro, reforçando a dose. Verificar se as suas patas estavam
conformes, certificar os seus níveis de colesterol, confirmar se os seus olhos
estavam compatíveis e aptos a fim de assegurarem uma boa visibilidade, e, pelo
sim e pelo não, amealhar alguma água potável necessária para o cavaleiro, e
para o próprio Burro, acaso viesse este a precisar. Quem se previne, por
certo, valer-se-á por dois, principalmente quando nos embrenhamos por “territórios,
com rotas e pastos” desconhecidos.
Coube-nos
fazer a primeira missão, uma protecção, com o pessoal da Companhia 2504, comandados
pelo Capitão-Miliciano Conde e Silva, a um MVL (Movimento de Viaturas
Logísticas), neste caso, transporte de provisões em viaturas civis, desde
Luanda para São Salvador do Congo, agora “M´Banza do Kongo”, no Norte de Angola, e já muito perto do grande Rio Zaire. A distância
a percorrer rondava os 500 quilómetros, 290 em deficiente alcatrão, sendo os
restantes de perigosa picada, esta após Ambrizete (N`Zeto). No decorrer de toda
a viagem teríamos que passar pelo Cacuaco, Caxito, Ambriz, Musserra, Ambrizete,
Tomboco, Xamindele, Cumbi e Quiende, como localidades de mais destaque, para,
finalmente, se chegar a São Salvador.
A viagem
demorou três dias: um para lá chegar, outro para a descarga e o 3º para o
regresso. Quanto à alimentação ela foi distribuída do que havia de melhor: a ração
de combate de cor castanha, assim era ela denominada pelo facto do cartão de
que era feita a caixa onde continha as conservas, ser dessa cor. Até nisso
tínhamos que ser os primeiros. Havia também a Ração de Combate de cor branca,
sendo considerada de maior diversidade e qualidade. Penso que todos, a seu
tempo, tiveram a oportunidade de o comprovar.
Foi
dado ordem para a partida ainda bem cedo. Estávamos, assim, a fazer os
primeiros quilómetros por terras desconhecidas. Galgado muito alcatrão, eis que
chega a picada e tudo vai decorrendo normalmente até que chegamos a Tomboco,
parando. Fomos ali bem recebidos, diria mesmo, com alguma euforia por alguns militares
ali destacados. Como ia na frente da coluna, logo seguido do Carvalho, (mais
uma vez os primeiros), e, para minha total surpresa, o diminutivo pelo qual eu era
conhecido ao tempo em que vivi em Famalicão estava ali a ser entoado. Alguém que
me conhece está por aqui? Não, não deve ter nada a ver comigo… não, não é
possível! Admirado e confuso, interrogava-me! Alguém dos presentes será
conhecido assim? Acontece que, por mero acaso, olho para o lado de onde o som
vinha e então reparo que um militar, afastado uns dez metros, me faz um sinal e,
para meu espanto, reconheço aquela cara. Afinal era mesmo por mim que chamavam.
“Neca” diminutivo de Manuel, como era conhecido por quem me interpelava. Alguma
vez me passaria pela cabeça ser possível encontrar, num território tão grande e
tão longe de casa, um amigo de nome Joaquim Moreira da Costa, o Joaquim
Pistola, como era conhecido na sua terra, dos meus tempos de infância e que já
não via desde os meus 16 anos! Precisamente, quando deixei Famalicão e fui
viver para Vila do Conde, de onde saí para Angola. Vivíamos os dois separados
por uns trezentos metros, na Freguesia do Louro, Concelho de Vila Nova de
Famalicão, onde frequentámos a mesma sala de aulas e ambos autores de muitas
traquinices. Desde aquele inesperado encontro jamais voltaríamos a encontrar-nos.
Este Amigo e Camarada de Armas presentemente passa mal, em Darque (Viana do
Castelo), pois sofreu um AVC, conforme informações que recebi nos últimos dias
do mês de Junho de 2015. Depois de dois dedos de conversa, atendendo ao pouco
tempo de paragem, e como não tinha mais nada para me oferecer, deu-me uma peça
de fruta que por ali era muito apreciada: uma Manga, que guardei, e também uma
cerveja Cuca. Gentilmente agradeci e, como o tempo escasseava, despedi-me. Não
sabia se no regresso voltaríamos a parar, o que realmente se confirmou. Todavia,
e enquanto me dirigia para a viatura, com o amigo lado a lado, foi-me dizendo ele
que já conhecia o percurso que tínhamos pela frente e os riscos que correríamos.
Como amigo que era, foi prestável, alertando-me para eu me preparar
psicologicamente! Que eu deveria ter muito cuidado com um determinado lugar, referenciado,
que teríamos de passar, redobrando todas as cautelas. Mais uma vez agradeci,
mas sem antes o questionar se não era só para me amedrontar … Éramos ainda
maçaricos, muito tenrinhos, portanto. “Não estou a brincar”, referiu, confirmando
a versão. E porque ainda teríamos que percorrer uma grande distância, numa
outra breve paragem mais à frente junto ao rio Lucunga para comer qualquer
coisa, fui ter com o Capitão que seguia no 3º ou 4º carro, não posso precisar, transmitindo-lhe
do que fui avisado e dos receios e preocupações do meu amigo. O certo é que
quando chegámos ao famigerado lugar e por se tratar, de facto, de uma rampa
bastante íngreme, em subida, cerca de duas centenas de metros, que teríamos de
ultrapassar, a coluna imobilizou-se. A picada neste lugar, para além das
dificuldades que apresentava para as viaturas, estava ladeada de vasta floresta,
e tão cerrada que pouco permitia ver para além da berma. Lá no alto, do lado
direito, encontrava-se um rochedo com alguma dimensão. Era um lugar de
excelência, que servia como poucos às pretensões dos nossos opositores. Ali, já
se tinham concretizado várias emboscadas com êxito, fazendo diversas baixas
entre as nossas tropas. Atiravam, preferencialmente, sempre com a intenção de atingir
o condutor da viatura que seguia na frente – e na frente estavaeu - para que a
viatura, então desgovernada, criasse o caos nas que a procediam. Mandado apear,
ao Zé Militar foi-lhe dado indicações de prosseguir a pé até ao cimo do morro,
ladeando o Unimog, onde só ia o condutor, eu próprio, Freitas. Com esta táctica,
estava o Capitão a precaver a Coluna de uma qualquer investida do inimigo, tal
qual havia sido informado dessa possibilidade. Foi, aliás, essa a informação a
mim passada pelo meu amigo no Tomboco. Também tomei as minhas medidas quanto à subida,
para minha salvaguarda e não só. Engrenei uma velocidade baixa, que entendi ser
a necessária para que o Unimog realizasse a subida sem desfalecer, em caso de
ataque, e não precisar de lá estar sentado ao volante. Coloquei o Acelerador de
Mão na posição ideal para a velocidade desejada, pois, dessa forma, se fosse
caso disso, seguiria sozinho. Para trás não vinha. Foi a estratégia que entendi
ser necessária para o caso de ataque e fosse atingido à primeira. Seguia já com
a mão esquerda na G-3 e sempre muito atento. Em caso de emboscada e não fosse eu
atingido era só saltar para o chão e depois se veria...
Chegados ao cimo da rampa e como felizmente
nada se passou foi transmitida a ordem para que todos os outros subissem
normalmente. Após ultrapassado aquele obstáculo, a coluna prosseguiu o caminho que
faltava ultrapassar até São Salvador do Congo, sem mais de relevante que mereça
destaque.
Mas, entretanto, vejamos agora a versão do Carvalho que complementa a narração precedente:
Estávamos
então parados para comer algo do que levávamos, junto ao rio Lucunga, quando
determinados movimentos realizados por um dos ajudantes de camionista, sentado
muito próximo do curso de água, me chamam atenção. Os movimentos são suspeitos.
Reparo que o seu olhar pesquisa qualquer coisa na terra. Aprisionado o que quer
que fosse com uma das mãos, a outra, vai em seu auxílio, e num movimento quase
mecânico, separa algo, que deixa cair por terra, mas o que fica, imediatamente,
leva na direcção da boca, devorando com sofreguidão o que por ali embarcou. Aproximando-me,
“roído de curiosidade”, e já a seu lado, pergunto: “o que estás a comer?” Resposta
pronta: “Formigas”. Efectivamente, e um tanto incrédulo, constato que as havia por
ali e bem grandes, que até asas tinham. Presencio que o homem quando as apanhava
retirava-lhes as asas e zás…. Comia-as. Fazia-o com tanto prazer que até
parecia que estava a saborear camarão ou algo similar. Dizia ter encontrado ali
o seu almoço. Eu digo: que nefasta forma de almoçar! Desconhecia eu naquele
momento que as formigas eram comestíveis, a não ser pelo papa-formigas, aquele
bicharoco de focinho fino e comprido, que já vi em programas televisivos da
Vida Animal. Hoje sei que é alimento habitual de determinados povos e que elas
são possuidoras de substâncias muito nutritivas. Mas … eu dispenso esse suposto
pitéu.
O mar,
desde Luanda, ficava sempre à nossa esquerda e aqui e ali a pouca distância da
estrada por onde seguíamos. Porém, e a partir de Ambriz, mais essencialmente
após a localidade de Musserra, era quase sempre visível ao longo de 50 quilómetros até Ambrizete.
A paisagem é deslumbrante, envolvente e maravilhosa. O que presencio deixa-me extasiado.
Nesta última povoação acaba o asfalto, virámos então para a direita,
infiltrando-nos no interior Norte de Angola, agora através de picada
(terra-batida). Chegados a Tomboco, quer na ida
quer na vinda, nesse reduto senti uma sensação estranha que abalava o meu corpo,
cujos sintomas eram de difícil avaliação e explicação. Algo parecia querer
mergulhar nas minhas entranhas. Por estranho que pareça, depois de passados 47
anos, quando ainda penso nessa enigmática e estranha sensação, julgo sentir
ainda alguns arrepios. Tenho convivido sempre com a percepção de que o enigma me
acompanha e me persegue. Será que algum dia definirei o que se passou? Não
creio. Essa oportunidade de deslindar o mistério jamais aparecerá. Desaparecerá
comigo
Retomando (Freitas):
No
dia seguinte, manhã bem cedinho, e enquanto esperávamos que o MVL renuisse
todas as condições para regressar a Luanda, o Capitão reuniu os 8 condutores e
todos os restantes militares que participavam na escolta, no intuito de
realizar um exercício onde todos tomariam parte.
Na
periferia da cidade havia uma picada relativamente estreita, que ia não sei
para onde, mas que era ladeada de muita florestação, intensa mesmo. Era o lugar
ideal para se criar um cenário de emboscada. O Capitão, depois de nos dizer que
deveríamos seguir a dita picada e ter informado que, em determinado lugar
(desconhecido para nós, era surpresa), iríamos ouvir um apito: seria o sinal de
um simulado ataque do suposto inimigo. Os condutores iam armados de G-3. Alguns
levavam-na no suporte próprio; outros, levavam-na do seu lado esquerdo. A
coronha pousava no interior da cabine, mas o cano ia postado na haste do
espelho retrovisor lateral. Era aí que ia a minha. Segundo as instruções, os
condutores teriam que imobilizar as viaturas, sair delas e refugiarem-se junto
à berma. Já os militares que transportávamos deveriam saltar para o chão,
colocando-se de imediato em posição de defesa nas duas margens da picada.
Com
a minha viatura na frente (uma vez mais em primeiro lugar), percorríamos então uma
picada cheia de curvas a uma velocidade de cruzeiro, normal, conforme as
indicações, todavia, sempre na expectativa de ouvir o tal sinal. Após
percorridos mais de dois mil metros, estávamos numa recta com cerca de 300
metros, e quando todos os carros (oito) eram visíveis, soou o sinal. Avisados
de que isso iria acontecer, logicamente íamos mais atentos. Uns saltaram bem;
outros caíram, levantando-se de imediato e refugiando-se em posição de defesa. Felizmente,
não se ouviam tiros nem queixas das mazelas das quedas. Tudo não passava de um simulacro.
Um reparo: todas as armas deveriam estar na posição de segurança, como
prevenção, não fosse o diabo tecê-las…
Como naquele tempo era dotado de agilidade
felina, hoje nem tanto, posso dizer que, por estranho que pareça, entre todos
os condutores e não só, e mesmo não levando a G-3 já nas mãos como os restantes
militares sentados no banco, levava a regueifa, fui o primeiro, após o sinal, a saltar do
carro e chegar à berma, com a respectiva arma. Até o Capitão, que fazia o papel
de inimigo, me perguntou depois: “como foste tão rápido? Terás sido o primeiro
a deixar o carro e chegar à berma?”. “Meu Capitão: é tudo uma questão de
agilidade”, respondi, sorridente. Talvez ainda incrédulo ou surpreendido, volta
a questionar. “Conseguir parar o carro, pegar na arma e saltar assim tão rápido,
não é fácil!”. “Tudo é fácil”, disse, mantendo o sorriso, “quando se vai
totalmente concentrado”. Tínhamos a favor, claro, o contar que, a qualquer
momento, o alarme soaria. Por isso, ia com esmerada atenção. Logo que ouvi o
sinal, travei o carro com o travão do pé, accionei o travão de mão com a mão
direita, ao mesmo tempo que pegava na arma com a mão esquerda e, de seguida,
salto para a berma da picada. O Unimog parou por si. Esta acção quase
simultânea demorou apenas alguns segundos. Fui o primeiro, entre todos os
militares que levava. Dessa façanha não tenho dúvidas. Nestas circunstâncias, a
rapidez é fulcral e tinha vantagem sobre eles. Esmiuçando: acontece que quando
o condutor trava mais a fundo a reacção natural dos que vão sentados no banco duplo
é segurarem-se da impulsão que a travagem provoca. Mesmo quem segue ao lado do
condutor arrisca-se a bater com a cabeça no pára-brisas ou a sair disparado borda-fora.
A situação do condutor é diferente, daí a minha vantagem. É uma explicação
simplista, mas não deixa de ser uma justificação realista para o sucedido.
REGRESSO: No regresso ao Grafanil nada de relevante há a destacar, a não
ser algumas caixas de laranjas e bananas que desapareceram de uma grande fazenda,
a Tentativa, na zona do Caxito. Mudaram de dono, pois passaram para os Unimogues.
Aquela frutaparecia estar ali à nossa disposição, estava a dois passos da berma
e não se via vivalma. Uma tentação, portanto. Mesmo nesse “desvio”, o Carvalho
e o Freitas estiveram na dianteira. Sempre os primeiros. Chegados ao Grafanil,
essa fruta aguçou vários apetites, satisfazendo alguns estômagos. Sim, a
solidariedade estava nos nossos horizontes: era hora de repartir… o que nos
sobrava…
Por mera curiosidade, a conhecida Fazenda,
a Tentativa, com a dimensão de 21,48 quilómetros
quadrados, pertencia, até falecer, 1972, ao Comendador António Albuquerque de
Sousa Lara, que foi conselheiro do General Norton de Matos, e que também
detinha em, em Matosinhos, a Refinaria Angola, sita na Rua dos Heróis de
França, além de outro património espalhado por aquela então Província. Um ano
depois, em 1973, a Fazenda foi adquirida pela família Espírito Santo, com
António Espírito Santo Silva a dirigi-la, liderando também a maior fábrica de
açúcar de Angola ali implantada. 20 anos depois, foi nacionalizada sendo que,
actualmente, está tudo em ruínas. A Tentativa era a fazenda mais próspera de
Angola. A família Espírito Santo - também detentora do Banco que continha o seu
nome - a quem pertenceu a referida Tentativa, presentemente, pelo menos alguns dos seus membros, está envolvida em situações anómalas cujo processo está sob alçada da Justiça.
Manuel Carvalho e Manuel Freitas, ambos Condutor-Auto
MAS TUDO TEM UM COMEÇO:
De um Grupo de 26 Recrutas que assentaram Praça no Quartel R.A.L.
- CICA-4, em 18 de Outubro de 1968, na Companhia de Instruendos Nº 2, Quartel
esse cujas instalações eram no antigo Convento de Santa Clara, em Coimbra, três
deles: Freitas, Almeida e Carvalho, iniciaram ali uma eloquente amizade que,
desde então e até aos dias de hoje, tem sido imaculada, consistente e
preservada. Dois meses mais tarde, concretamente no dia 2 de Janeiro de 1969, já
na Especialidade, no Quartel da Senhora da Hora, no Porto, o Boavista juntar-se-ia
ao grupo, constituindo-se,
assim, OS QUATRO INSEPARÁVEIS. A cidade de Coimbra seria assim o
trampolim para o início de uma nova etapa na vida de três jovens, e que, de
alguma forma, também traçaria, como traçou, o seu futuro ali, onde deram os
primeiros passos incrementando competências como Condutores-Auto.
Como tudo tem um princípio, aquela involuntária, por ser
fruto do ocasional, permanência em Coimbra marcar-nos-ia para sempre. Muito foi
gravado então na nossa memória, porém, hoje, só permanece intocável alguns
fogachos desse passado já tão distante. O tempo se encarregou de fazer essa
inevitável selecção. Porventura, e não obstante essa triagem ter acontecido,
ainda restam assomos de alguns episódios e peripécias merecedores de serem contados.
Ao transcrever para o papel este início de uma nova etapa, tem só, e unicamente,
como principal objectivo rememorar um pouco do meu e nosso passado. Todos
estamos ligados ao que para trás foi ficando. Quer queiramos ou não, os tempos
entretanto vividos perseguir-nos-ão por todo o sempre. Por muito que tentemos alhear-nos
ou mesmo procurar eventualmente esquecer, conforme o caso, e por muito que nos
tenha prejudicado, ou beneficiado, nada e ninguém o pode apagar, pelo menos,
enquanto por cá andarmos e a nossa memória não nos trair por completo. Cada um emitirá
a sua opinião.
Almeida: Oriundo de Aliados de Lordelo-Vila Nova de Gaia, chegou ao grupo
conotado como um bom “estafeta”, isto é, “um atleta de bom nível”, na modalidade
de Atletismo Amador, especializado em Maratonas, característica que ainda hoje
conserva, apesar do avanço na idade. Mas … não menos melhor como bom
profissional na Casa das Lâmpadas, no Porto, onde entrou quando ainda era um adolescente,
12 anos, saindo somente decorridos 47. Deduz-se, pois, imediatamente, que teve
um único emprego, coisa inusitada e espectacular – realidades de outros tempos.
Já mancebo, foi chamado a defender a Nação. Depois deste dever cumprido,
regressa profissionalmente ao ponto de partida, a sua maior e mais exigente Maratona, terminando
só quando atingiu a meta. Tinha finalmente, e já não era sem tempo, chegado a
sua hora de descansar: reformou-se.
Carvalho: Este empreendedor teve que deixar
por uns tempos de ser um jovem e promissor empresário, na área de Moldes,
Cunhos e Cortantes, para se integrar no que, naquele tempo, não por vontade própria,
todos os jovens eram obrigados a cumprir: a servir a sua Pátria. Alguns houve que
abalaram a monte, com ou sem mala de cartão, para o estrangeiro, por razões
ideológicas ou outras menos abonatórias … O Carvalho sempre foi bom no que idealizava,
projectava e concretizava. No entanto, jogar Bilhar-Livre, mas mais Às-Três-Tabelas,
era, nas horas livres, a sua gande
paixão, que executava com rara mestria, como poucos, sendo mesmo um campeão.
Passeava essa sua classe por algumas casas do Porto, Cafés na sua maioria, que
dispunham das condições exigidas para a prática desse desporto. Terminada a
missão que o levou às Terras de Além-mar, regressa ao Carvalhido, Porto, sua Terra-
Natal. Passado algum tempo porém, e como o “bichinho” que trouxe de África
continuava a remoer, eis que parte novamente, mas agora para Moçambique, fazendo-o
indubitavelmente, desta vez, de livre vontade, para trabalhar como empreendedor
e na criação e instalação de uma indústria da sua área de actividade, já atrás
referida, transferindo para aquele ponto de África, com grande esperança e expectativa,
todos os conhecimentos que dispunha e continuando assim a exercer o que maior
prazer lhe dava.
O tempo foi passando e o empreendimento, que tantas canseiras
acarretou, decorria com a normalidade esperada. Todavia, dá-se um acontecimento
histórico na Metrópole, o 25 de Abril, e tudo mudou. Foi assim que depois de
uma breve mas tormentosa passagem por aquele novíssimo “País,” em 1975, na
qualidade de Empresário”, estatuto que actualmente mantém com afinco, aliás, como
foi sempre seu timbre e perseverança. Viu-se então lá, a dado momento, na
iminência, e a toda a pressa, de ter que deixar Moçambique, via Rodésia, a
caminho da África do Sul. A alternativa seria, segundo julgou, ficar para
sempre sob 7 palmos de terra, pois ameaças surgiram. Salvou-o um amigo nativo,
autêntico Anjo-da-Guarda, que o avisou e lhe sugeriu a fuga. Abalou, pois, algumas
horas depois deixando tudo para trás, sendo portador somente de poucos haveres
pessoais e alguns, poucos, “patacos”.Chegado ao
novo destino provisório, logo procurou angariar meios e forma para regressar a
Portugal em segurança e à terra que o viu nascer: a sua Cidade do Porto, onde, apesar
das circunstâncias à época, entendia ter sossego e tranquilidade para novamente
recomeçar, prosseguindo os seus ideais.
Este episódio da vida do Carvalho, atendendo à sua
importância, curiosidade, as peripécias inauditas que viveu tempos depois, após
uma brevíssima passagem pela então Metrópole e no seu regresso, novamente a
África, desta vez, a Moçambique, como civil, esta para si promissora mas perigosa
aventura, pelo desconhecimento da maioria dos antigos companheiros, ele próprio
a deveria contar! Ficamos todos à espera da sua narrativa, versando tempos que
viveu, antes e pós 1975, no Moçambique já Independente.
Freitas: Estávamos num belo e promissor fim-de-semana
e em finais do verão de 1968 quando recebo, com alguma surpresa, uma proposta
do sócio do meu Pai, na pequena empresa que ambos detinham e na qual, eu,
apesar da pouca idade, era o principal colaborador. Oferecia-se ele então para
me dispensar a sua cota, os 50% que detinha. Atendendo a motivos de saúde, via-se
na necessidade de se afastar, para assim dispor de mais tempo para tratar de
si. Em consciência, lamentava os motivos, mas compreendia-os. Entusiasmado, porventura,
e com alguma perplexidade, lá fui dizendo: “e como vou pagar?” 180 contos foi o
valor atirado para cima da mesa, mas que imediatamente entendi como sendo verba
razoável. Não tinha “tosta” e disse-o, mas recebi uma resposta curiosa: “pagas
quando puderes”. Se estava surpreendido, ainda mais fiquei, mas pela positiva.
Não é todos dias que se ouvem convites/sugestões destes, pensei”, e, nada
hesitante, respondo com um sim. Tinha ali as portas abertas para, aos 21 anos feitos,
tornar-me empresário.
O que hoje invocam de jovem empreendedor!...
Este sonho, todavia, foi Sol de pouca dura, como diz o povo,
pois, logo uns dias depois, chega uma carta que alteraria tudo - tinha que me
apresentar no CICA-4. Ora bolas, pensei. Aquela missiva fez desvanecer de
imediato todo o entusiasmo até aí vivido e o desfazer de um projecto com futuro.
Desolado, vejo um virar de página e tudo voltar ao princípio. Uma oportunidade
perdida.
Coimbra, hoje posso afirmá-lo, traçou uma fase das nossas vidas.
Pela minha sentia-a eu. Todavia, foi ali também, não obstante os vários
considerandos, que, perante as circunstâncias encontradas, desabrocharam sublimes
amizades, que perduram inalteradas passadas mais de quatro dezenas de anos, porventura
até mais enraizadas. Valha-nos isso.
As fotos aqui presentes, foram tiradas num espaço aberto que então
servia como Parada do Quartel, para os vários treinamentos. São também muito
elucidativas da nossa juventude.
O Boavista só viria a integrar o Grupo dos Quatro
Inseparáveis, atrás mencionado, no então R.I. 6, Senhora da Hora, no Porto.
Coincidência reconfortante:
Foi muito perto desse lugar, e junto ao Portugal dos Pequenitos,
por onde éramos obrigados a passar aquando dos tempos da nossa recruta, que,
por mera coincidência, pela primeira vez e depois de passados 19 anos - em 1990
- do nosso regresso à então Metrópole, após Comissão em Angola, se reuniram 38 Camaradas
da Companhia de Caçadores 2506, do Batalhão 2872, juntamente com suas famílias,
totalizando 86 pessoas. Sucedeu isso no Núcleo de Coimbra da Liga dos
Combatentes, instalações não muito distantes da ponte rodoviária sobre o rio
Mondego, numa cidade emblemática como ela é, e, dessa forma, criaram-se
condições para uma outra "ponte" que permitiu o início dum ciclo infindável de
Confraternizações regulares (anuais, com excepção da segunda). Cito, pois, a cidade
de Coimbra como um marco histórico para mim, mas também por ser o Primeiro Encontro
(melhor, Reencontro) da C. Cac. 2506. Recordando que esta primeira Confraternização
teve como palco o também emblemático edifício histórico da Liga dos Combatentes
naquela cidade, em cujo restaurante convivemos. Foi bem seleccionado pelo
Carlos Jorge Mota, de quem partiu esta meritória iniciativa e sob cujos ombros
pendeu a responsabilidade da sua organização.
Pertinentes agradecimentos:
A tentativa de realização de possíveis encontros entre os Camaradas
de Armas vinham a ser forjados, uns anos antes de 1990, por mim, pelo Carvalho
e pelo Almeida, que, em conjunto, algumas vezes versámos o assunto. Isto é, chegámos
a falar do tema nos encontros que já então mantínhamos mas, por razões várias,
não lhe demos continuidade. Possivelmente, outros houve que terão pensado o
mesmo. Até que, inesperadamente, me chegou
uma carta dirigida pelo Carlos Jorge Mota a dar-me conhecimento da sua
pretensão e a pedir uma opinião sobre o assunto, como aliás o fez com outros Companheiros.
“Vai em frente”, foi a minha resposta”. Já era tempo de alguém pôr os pés ao
caminho e no que puder ser útil estarei sempre pronto. Existem sempre formas de
participar. E tanto assim é que o nosso Camarada Crespo, já falecido, de
Ribeirão, Vila Nova de Famalicão, só foi ao primeiro encontro, depois de ser contactado
pessoalmente por mim, não obstante, ter recebido a missiva enviada pelo Mota, a
desejar a sua presença, como o fez aos demais Companheiros de Armas para quem
enviou iguais convites. Quer nesse, como nos posteriores Encontros, só uma vez
o Crespo não foi no meu carro, principalmente até ao Porto, onde e sempre
encontrávamo-nos com o Carvalho e o Almeida, para, juntos, dirigirmo-nos aos
locais dos convívios. Entendo ser isto também uma forma de colaboração.
Contudo, estará no arrojo e empenho que o Carlos Mota teve
que tornou viável esse primeiro almoço-convívio e potenciou os subsequentes. Da
minha parte, reconheço com humildade o trabalhão que foi necessário para levar
avante esta iniciativa. Obrigado, Amigo Carlos Mota.
Regresso ao presente por breves momentos no intuito de dizer
ao Amigo Mota que faça figas para que se mantenha à frente desta organização
ainda por muitos e bons longos anos.
História com três protagonistas
Estávamos em final de curso, no CICA-4, isto é, fazendo as
provas finais de avaliação para serem anotadas no currículo de cada um, e as
provas físicas eram uma delas. Numa bela manhã, “e todas são belas quando
acordamos e vemos a luz do novo dia”, apesar do tempo ameaçar chuva, estava
chegada a hora oficial de ser dado ordem de partida para a semi-maratona dos 10 quilómetros. O
nosso Grupo assume desde logo a corrida e, como todos sabem, iam calçados de “modernos
e confortáveis ténis”, ou seja, as botas pesadas que na vida militar por norma
se usava. Decorridos alguns quilómetros, o Almeida passa a liderar a prova, seguido
a pouca distância de mim (Freitas) e de mais alguns Companheiros que,
entretanto, e por questões de dificuldade física, foram ficando para trás. Na
peugada do fugitivo, Almeida, só eu continuava e sempre com ele à vista. Do
Carvalho, que se tinha desligado do grupo decorrido algum tempo da corrida, nem
vê-lo.
A prova termina e o Almeida é 1º. Eu chego em 2º, cerca de dois
minutos depois. Como não era muito alto, media 1,70, e como não tinha, nem
tenho, os pés grandes, calço 38/39, todavia, o calçado que levava então era 40,
não me lembro porquê, eram espaçosos demais! “Ainda hoje coloco as culpas na
marca que me patrocinava!....” Para minha inteira satisfação, apesar de tudo,
cheguei ao pódio, mas poderia ter ido mais além, subindo no degrau. Entretanto,
no decorrer da “maratona”, a ameaça cumpriu-se. A “senhora” chuva acabou por
nos brindar com as suas longas lágrimas (ou seriam borrifos oriundos do seu manto
húmido e relativamente escurecido que ia pairando sobre as nossas cabeças que,
inadvertidamente talvez, terá sido espremido durante quase toda a prova?) O
certo é que nos tocava com esmerada leveza, como se de alguma festividade se
tratasse. Atendendo ao calçado “apropriado” que a marca patrocinadora me
proporcionou, só aliando o denodo a uma grande vontade de terminar, permitiu que
chegasse ao fim. Porém, quando me descalcei, e sem grande surpresa, já esperava
alguma coisa do género, perante o mal-estar que sentia: tinha em cada dedo dos
pés uma bolha, e algumas já em sangue. Não admira. Os meus pés fartaram-se de
praticar natação no interior das botas, quando não estavam preparados para essa
modalidade. A água da chuva era a razão do grande sofrimento pelo qual passei
durante parte da prova e que me foi afastando da frente da corrida, inibindo-me
de poder disputar o primeiro lugar, taco-a-taco com o Almeida, como era meu
desejo, e estava preparado. Sabia inicialmente que reunia todas as condições
físicas para obter um bom resultado, mas perante as condições apontadas nada
podia fazer. Quando somos novos aguentamos tudo e a recuperação é sempre mais rápida.
Foi o que aconteceu. Entretanto, o tempo foi passando e o Carvalho não
aparecia. “Está muito atrasado, terá desistido?” Tanto eu como o Almeida nos
interrogávamos junto ao ponto de chegada. Porém, mais alguns minutos decorridos
e para nosso espanto, lá vinha ele, com muita à-vontade, aparentando mesmo
bastante frescura física, nada cansado e até pouco ensopado! Nunca soube em que
posição ficou, e talvez nem o próprio o saiba. Tambem não era assim tão determinante,
mas … que terminou a prova, terminou! Mais tarde, e só os dois, soubemos o
porquê daquela chegada pouco esforçada e pouco molhada.
Ao longo da estrada havia pessoas a incentivar-nos, dando
algum apoio moral e material, e o nosso amigo Carvalho aproveitou a gentileza
de uma dessas ofertas. Uma senhora, já de uma certa idade, e que ele nunca
precisou de quem se tratava, vendo o esforço que ele já ia fazendo, e ainda no
início, talvez simpatizando com ele, pois sempre foi um gentleman, ofereceu-lhe um café (de cafeteira) quentinho,
acompanhado de bolos e alguma conversa! Os minutos foram passando e o Carvalho
mantinha-se acolhido e rodeado da gentileza de uma bondosa senhora, mas atento
ao que se passava no exterior, penso. Ele, que de burro não tem nada, depois de
bem abastecido, espera que os primeiros passem e, na primeira oportunidade, volta
à estrada, fazendo só dois a três mil metros, no total. Como ninguém deu pelo embuste,
tudo acabou bem. No cômputo geral, foi o mais inteligente dos três. Só naquele
caso.
De momento fico por aqui, mais tarde volto à ribalta, historiando
e só o que realmente se passou nesses inesquecíveis tempos de juventude. Tempo
em que servi, e com muita honra, a minha Pátria: PORTUGAL.
Recordar é viver, e todos nós temos vivências para contar,
haja vontade e alguma disposição.
Esta narrativa é do conhecimento e tem a concordância dos
amigos Carvalho e Almeida, por serem também protagonistas na redacção.
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Quartel em Santa Clara |
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Carvalho: o do meio da fila superior; Almeida: o 4º da fila do meio, da nossa direita para a esquerda; Freitas: o 3º, na 1ª fila, contando da nossa esquerda |
Manuel Freitas