INSÍGNIA E LEMA

INSÍGNIA E LEMA
CONQUISTANDO OS CORAÇÕES SE VENCE A LUTA

terça-feira, 8 de setembro de 2015

ZENZA DO ITOMBE - 2ª OPERAÇÃO (ENTRADA PELO SUL): NA GUERRA O INIMIGO É UM SER HUMANO COMO EU

Encrustada na parte sudoeste dos Dembos, onde a Floresta é muito densa e bastante húmida, a zona do Zenza do Itombe era também um santuário da Guerrilha de elementos da FNLA e do MPLA, que se guerreavam entre si, mas que consideravam seu principal Inimigo o Exército Português.
Após uma primeira Operação onde a Companhia 2506, a minha Companhia, também se incorporou com entrada pelo norte da Mata - já relatada neste Blogue com a designação de 1ª Operação  -,  juntamente com outras Unidades dispersas por aéreas mais alargadas, e na sequência de outras Operações já ocorridas no antecedente, à nova Operação Militar foi chamado o nosso Batalhão, sendo atribuída à minha Companhia a nomadização numa vasta área, desta vez com entrada pelo lado sul da densa mata.

Já desde a Coutada de Mucusso, quando, principalmente de noite, se ouvia um tiro isolado, começou a instalar-se no pessoal a ideia que o Palaio via turras em todo o lado, e, se tiro noturno soasse, tinha sido, com toda a certeza, o Palaio, nos seus desmandos visionários. O Palaio não dormia em serviço e tinha revelado já grande sentido de orientação, pois conseguiu acertar o azimute para o Aquartelamento, em digressão sob o luar, quando outros, também perdidos, só chegaram ao outro dia e com sol já bem alto.

Saídos do Grafanil e entrados já na mata densa, bivacámos em local previamente determinado, junto à margem do Rio Zenza. Juntamente connosco, mas chegada depois, instalou-se uma Bataria de Artilharia, com várias Peças de Fogo, que, de manhãzinha, e em momento rigorosamente aprazado, começou a bombardear áreas a norte. Mas, como a missão da nossa Companhia era fazer uma nomadização, tentando empurrar os turras para zonas onde se haviam já instalado, emboscadas, outras unidades militares, no sentido de os capturar ou neutralizar, a nossa saída do improvisado aquartelamento, para dar início à nossa tarefa de alguns dias, forçosamente teve que ocorrer muitíssimo cedo, ainda o sol não raiava.



Ao terceiro dia, numa progressão em “bicha de pirilau”, ouve-se um tiro: foi o Palaio - pensamento instintivo generalizado deverá ter ocorrido na mente de todos.  
Sendo eu o cerra-fila, a dado momento diz-me, numa voz baixa mas firme, o Camarada que segue à minha frente: -“Palaio, está ali um gajo pendurado numa árvore”. –“Onde?”, retorqui eu, no mesmo tom –“Ali, pá, naquela árvore”, e aponta. Talvez, por se ver descoberto, o guerrilheiro, posto-avançado do seu grupo e cuja missão era de vigia, dispara a sua arma, com dois cartuchos, na nossa direcção, uma Caçadeira cujos estragos, em distância curta, são muitíssimo poderosos, não só pela dispersão da carga, que abre em feixe e atinge mais homens, como pela potência do impacto num único alvo. Só que, como o Palaio nunca dormiu em serviço, foi também rápido e, conservando eu a arma permanentemente em posição de fogo, foi só direcionar instintivamente a minha G-3, apertar o gatilho num único tiro e … o homem cai da árvore, seriamente ferido, largando a Caçadeira. Logrou-se, pois, a sua eventual, mas quase certa, pretensão de disparar sobre os últimos homens da Coluna, para depois fugir de imediato. A Coluna estancou imediatamente e, na salvaguarda de emboscada reactiva por parte deles, posiciona-se subitamente na adequada formação de combate. Momentos expectantes, mas rapidamente se concluiu que, pelo menos aparentemente, mais nenhum guerrilheiro se encontraria activo nas redondezas próximas ou disponível para combater. Levanto-me e constato que estou ligeiramente ferido com estilhaços nas pernas, sem gravidade, e o Camarada da frente com leves estilhaços no peito, nada de grave também. Verificou-se que o guerrilheiro se encontra ferido no abdómen com alguma gravidade, mas não em situação de emergência. Prontamente socorrido pelo Enfermeiro da Coluna, fica, passados uns bons minutos, em condições físicas de andar pelo seu pé, embora dum modo dificultoso. Recusou-se a falar fosse o que fosse, demostrou não ter qualquer medo e olhava-nos com algum desdém, revelando grande coragem militar. Como entretanto escureceu totalmente e a Operação tinha que continuar ele foi instado a progredir connosco, sob vigilância apertada, ficando o pessoal sob o comando do Furriel Adário responsável por essa tarefa. Como por vezes abrandasse a marcha (e seria difícil avaliar se o fazia propositadamente e sem razão aceitável ou não), para não atrasar a progressão, era-lhe exibida uma Faca de Mato, ferramenta que ele, como militar, compreendia perfeitamente ser necessário utilizar se se tornasse um obstáculo à manutenção da cadência de progressão exigida. Chegada a hora de pernoitar, e após se montar a indispensável segurança nas condições concretas da Operação, torna-se exigível a especial guarda deste prisioneiro. Essa missão foi atribuída ao pessoal do Furriel Temudo. Este, com receio de que, pelo cansaço, os seus homens mais próximos ao prisioneiro pudessem adormecer, a G-3 de cada um deles foi colocada em local mais afastado pois o prisioneiro, eventualmente desperto, poderia, num acto de suicídio, arrancar uma arma das mãos dum militar nosso e fazer estragos, antes de ser abatido. Entretanto, e no intuito de salvar a vida deste homem, porque, mesmo Inimigo, era um ser humano, acrescido o facto de poder ser útil em eventuais informações que resolvesse revelar, pelas nossas Transmissões foi accionada a necessária evacuação por helicóptero. Manhã cedo, e munido o piloto das respectivas coordenadas, o Alouette III paira sobre as nossas cabeças, em mata cerrada. Improvisa-se um ponto de aterragem. Uma pequena ilhota, junto a um rio, para a qual foi preciso atravessar através de canoa improvisada, foi o local escolhido. O héli descola rumo ao Hospital Militar em Luanda e a Operação prossegue por mais um dia. Terminada esta e regressados ao Campo Militar do Grafanil, pessoal houve, nomeadamente Graduados, que resolveu ir ao Hospital averiguar o estado de saúde do prisioneiro. E eis que brota espontaneamente o que existe de mais nobre num coração humano: um prisioneiro inimigo a ser visitado pelos seus captores. Formou-se, desde aquele momento, uma relação especial, quiçá de alguma amizade, entre os elementos presentes. Foi notória a evolução de confiança que o guerrilheiro passou a depositar nas nossas Forças Armadas, com contagiante disponibilidade de colaboração, talvez por ter sentido que a sua vida foi poupada e até depois salva por aqueles sobre os quais abriu fogo.



A Guerra tem desta coisas, aparentemente absurdas, mas só quem nela participa as consegue entender no seu pleno. Felizmente o homem sobreviveu e, já completamente recuperado, passou a ser mais um cidadão perfeitamente integrado na Sociedade de então.
CONQUISTANDO OS CORAÇÕES SE VENCE A LUTA, era e Lema do nosso Batalhão. Deu-se, pois, cumprimento ao seu desígnio.


Armando Mendes Palaio (Narrativa)
Carlos Jorge Mota (Redacção)
Setembro 2015

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