No âmbito duma abordagem de estudo académico concretizado por professores que se interessaram por esta temática, foram feitas entrevistas a elementos militares que directa ou indirectamente intervieram nos vários actos que consubstanciaram a Descolonização Portuguesa, entre os quais se incluiu Nuno Alexandre Lousada, 2º Comandante que foi do Batalhão de Caçadores 2872 (o nosso Batalhão), então com a patente de Major, possuidor já nessa fase do Curso de Estado-Maior.
Uma delas, conduzida pela Professora Doutora Ana Mouta Faria, do ISCTE, foi feita em Fevereiro e Março de 2010 ao nosso 2º Comandante, possuidor, nesse ano - em que também faleceu (5 de Junho) - do posto de Coronel, na Reforma, e aborda matéria em que, com o posto de Tenente-Coronel e colocado na 3ª Repartição do Estado-Maior do Comando-Chefe em Moçambique, interveio directamente nas Conversações com a FRELIMO para um Acordo de Cessar-Fogo e posterior desenvolvimento das acções subsequentes atinentes à independência daquele território.
Esta Entrevista - bem como outras duas, uma a Carlos Matos Gomes e outra a José Villalobos Filipe - encontra-se inserta em Livro intitulado VOZES DE ABRIL NA DESCOLONIZAÇÃO, editado em âmbito académico razão por que não se encontra em venda em Livrarias, sendo possível a sua leitura, todavia, em Bibliotecas Públicas, como, por exemplo, na de Matosinhos e do Porto, entre outras.
A publicação neste Blogue desta histórica Entrevista é feita com autorização da Autora-Entrevistadora, após troca de impressões telefónicas e escritas, em que manifestou toda a afabilidade e carinho pelo nosso interesse. Um bem-haja, tanto mais porque se tratou de ouvir as palavras de alguém que connosco conviveu cerca de 26 meses.
"Tropeçámos" nesta Entrevista ao fazer uma pesquisa na Internet para tentarmos averiguar eventual existência de matérias em que o então nosso 2º Comandante esteve envolvido militarmente em acções/eventos relativos à Descolonização, pois era nosso conhecimento que isso havia acontecido, que era do domínio público e confirmado pessoalmente pelo próprio numa Confraternização de Graduados ocorrida anos volvidos. Soubemos do seu posterior falecimento através de informação prestada mais tarde, num outro Encontro-Convívio, pelo nosso Comandante, António Soares, Tenente-Coronel durante a nossa permanência em terras angolanas, entretanto também já desaparecido e cujos restos mortais jazem no Cemitério de Espinho.
Esse "tropeço" foi feito no Blogue do Batalhão de Caçadores 1891, que prestou serviço em Moçambique, e a cujos Camaradas, nomeadamente ao gestor do blogue, agradecemos essa possibilidade e a quem rendemos esse crédito.
Nuno Alexandre Lousada frequenta o liceu em Bragança, onde, no final, é
marcante a influência do escritor Virgilio Ferreira, seu professor de
Português. Depois dos preparatórios em Coimbra,
entra na Escola do Exército em 1948 - 1950, integra a Arma de Infantaria, em
Caçadores Especiais , tendo tirado nos Pirinéus espanhóis o curso de
Caçadores de Montanha, que preparava unidades de Esquiadores e Escaladores para
o Corpo Ibérico do Exército dos Pirinéus.
Fez quatro comissões de serviço no ultramar, a
primeira no Estado da Índia (1957/1959) e as duas seguintes em Angola
(1961/1963 nos Dembos. e 1969/1971, nas Forças de Defesa de Luanda e no Leste).
Com o Curso Geral de Estado-Maior, fará a última comissão em Moçambique
como Major e depois como Tenente-Coronel, para onde parte em 1972, ficando
colocado na Repartição de Operações do Quartel-General em Nampula quase até
ao final da estadia.
Sem um percurso anterior de politização anti-regime, a
guerra é talvez o seu mais importante factor de consciencialização e, talvez
por isso, era aberto a expressões culturais, como o Cancioneiro do Niassa, que
se ouvia em sua casa. Ideologicamente de tendência moderada, em outubro de 1973
integra-se no Movimento dos Capitães, participando na campanha de pedidos de
demissão dos Oficiais do Quadro Permanente contra o Decreto 353/73 e
subsequentes, sobre as promoções no Exército. É eleito em dezembro desse ano
para a Comissão Coordenadora de Nampula.
A seguir ao 25 de Abril, embora manifestando
discordância com formas de expressão por militares radicais que
considerava desprestigiantes para a instituição, vem a integrar o Gabinete do
MFA junto do Comando-Chefe em Nampula. É indicado pelo Comando-Chefe para
integrar a delegação portuguesa às conversações de Lusaka, que resultaram no
Acordo de 7 de Setembro de 1974.
7 de Setembro de 1974, mesa das conversações do Acordo de Lusaka, entre representantes do Governo Português e da FRELIMO
Na entrevista publicada a seguir, o assunto central
foi a sua participação neste acontecimento, onde, como oficial de operações,
teria de se ocupar do acordo para o cessar-fogo e assegurar um prazo viável
para retracção do dispositivo militar; a este episódio acrescem as vicissitudes
ligadas à eclosão do levantamento anti-independentista em Lourenço Marques e o
regresso a Moçambique no dia seguinte, com a missão de acompanhar os primeiros
altos quadros da FRELIMO que entraram oficialmente no território.
Regressa a Lisboa em Janeiro de 1975; é colocado no
Estado-Maior do Exército, 1ª Divisão. A partir do Verão seguinte apoia o
Documento dos Nove.
Tendo sido promovido a Coronel em 1 de Junho de1976,
passa com este posto à reserva em 10 de Janeiro de 1985.
Foi entrevistado no âmbito deste projecto por ANA
MOUTA FARIA, nos dias 18 e 25 de Fevereiro e 4 de Março de 2010.
Acordos e
conversações prévias
Ana Mouta Faria (AMF):
Senhor Coronel. Vamos, então, falar do Acordo de
Lusaka, em cujas conversações participou. Li o seu artigo e uma entrevista que
fez o favor de me emprestar, em relação aos quais gostava de esclarecer alguns
aspectos. Gostava ainda de lhe perguntar sobre dois assuntos anteriores aos
Acordos. Um, foi a libertação dos presos políticos em Moçambique, logo no mês
seguinte ao 25 de Abril. Recorda-se?
Nuno Lousada (NL):
Não, não me lembro.
AMF:
Não tem memória de haver presos?
NL:
Não tenho, não. Como lhe disse, eu não era chamado
para esses assuntos
AMF:
Outra pergunta é sobre os elementos da PIDE/DGS.
NL:
Não sou capaz de concretizar, exactamente, como era,
embora me desse muito bem com o oficial da justiça, o chefe do Serviço de
Justiça Militar que lá estava, que já morreu. Foi a quem encarregaram de gerir
esse assunto da PIDE. Em principio, de acordo com a orientação que teria ido para
lá, os oficiais da PIDE/DGS continuavam a desempenhar funções, enquanto elas se
revelassem importantes e necessárias para o funcionamento das
operações militares, chamemo-lhes assim. Até me lembro de um....
AMF:
De um inspector?
NL:
De um inspector
AMF:
São José Lopes?
NL:
São José Lopes, sim. Era o chefe da polícia política,
da DGS de Moçambique nessa altura.
São José Lopes, Director da OIDE/DGS em Moçambique
Portanto, enquanto se tornasse necessário e importante
haver a DGS, para estabelecer e facilitar a coordenação e a ligação, eles
continuavam. E, depois, seriam ... já não me recordo bem, mas depois
acontecer-lhes-ia não sei o quê. Eu suponho que está escrito, parece-me, aqui
no Acordo, não?
AMF:
Não, porque nessa altura, já tinham
sido recambiados para Portugal. Acontece antes do Acordo...
NL:
Então, naturalmente, mandaram-nos logo. Porque depois
houve uma mudança de pensamento, digamos, em relção à utilização dos elementos
da PIDE/DGS. Acharam que era tolice eles manterem-se, porque já ninguém queria
saber da PIDE/DGS, e toda a gente os insultava, e os militares não queriam
estar atidos à DGS. Deram uma volta ao pensamento e mandaram-nos embora, tem
toda a razão. Mas já não me recordo ao certo, isto já se passou há não sei
quantos anos. E a PIDE/DGS era uma coisa que estava um bocado fora do âmbito
militar.
AMF:
E havia que distinguir, talvez, entre duas situações,
que eram os agentes, os inspectores, que vinham de Portugal, e depois os
informadores, que não eram propriamente do aparelho da PIDE, não?
NL: Pois, então, isso ainda menos
.AFM:
Recorda-se do que aconteceu às forças moçambicanas após
o 25 de Abril? Havia vários grupos especiais de forças africanas, com
designações diferentes.
NL:
Lá, estavam todos incluídos num grupo. Os Flechas eram
em Angola, em Moçambique, não me recordo do nome. Bem, o que ficou assente foi
que esses grupos ficariam, sob, eu sei lá como lhe hei-de chamar...até que
fosse decidido se eram todos passados à disponibilidade, ou se teriam outra
solução. Na Guiné mataram-nos, foram mortos. Mas lá não aconteceu isso. Ou
faram passados à disponibilidade, ou mandados embora, ou integrados em qualquer
coisa. Já não me recordo em pormenor....Mas isso foi pensado e discutido.
AMF:
Que ficariam aquartelados, não sei se se pode dizer
assim?
NL:
Sim, sim, podia ser, que ficariam aquartelados em
determinados sítios, a aguardar as soluções que fossem encontradas, mas já não
me recordo em pormenor.
AMF:
As soluções, se calhar, foram encontradas, depois, no
âmbito da Comissão Militar Mista?
NL:
Sim, foram, também. Depois, já incluiu não só
autoridades militares, mas também as autoridades políticas, que já eram as
novas autoridades políticas, porque era muita gente abrangida.
AMF:
Era muita gente?
NL:
Era muita gente! Era na Beira, até, que eles estavam.
AMF:
A ideia que tenho é de que as tropas de recrutamento
local, no conjunto, incluindo africanos e não-africanos, digamos assim,
não-pretos, eram metade das Forças Armadas que estavam estaciondas em
Moçambique, em Abril de 1974.
NL: Acho
que não, nem pensar nisso.
AMF:
Eram menos?
NL:
Eram.
As forças naturais de Moçambique, praticamente eram só essas unidades especiais
que tinham sido constituídas pelo coronel Costa Campos, salvo erro. O Costa
Campos tinha esse comando. Constituíram unidades especiais , assim como havia
também em Angola. Não estavam em conjunto com as forças metropolitanas.
AMF:
Mas em Moçambique até estariam ligadas, uma parte, a
Jorge Jardim.
NL:
Não. O Jorge Jardim é mais um mito que anda por aí,
que nós, lá no Norte, tínhamos tido um conhecimento directo do Jorge Jardim
estar a dirigir essas tropas, eu não tenho essa ideia.
AMF:
Ele gaba-se disso nos livros que escreveu
NL:
Está bem, mas isso é outra coisa. É uma entidade que
nunca soubemos bem quem era. Nós, os militares, Tenentes-Coronéis, nunca
soubemos bem como isso funcionava. Há uns militares que sabem, porque estiveram
a trabalhar com ele, lá em Moçambique. O Aniceto Afonso, e esses, sabem bem
quem são esses militares. Houve dois militares que estiveram a trabalhar directamente
para o Jardim. Mas eu não sei.
AMF:
Eu apanhei o nome, pelo menos, de um, num dos livros
do Jorge Jardim, de quem ele diz claramente que era o elemento de ligação.
NL:
Pois, o elemento de ligação que ele tinha. Mas como
eram coisas mais ou menos secretas, nem sabíamos. De repente, o militar que foi
falar com ele desapareceu da circulação. Ninguém disse: o não-sem-quantos foi
trabalhar com o Jorge Jardim, ía, mas...aquilo era do tipo secreto.
AMF:
Depois, houve um militar que trabalhava para o Jardim,
ou com o Jardim, que era o Daniel Roxo...
NL:
Esse já não era militar. Era um civil, um caçador.
Parece-me que era ali da área do Niassa. Havia outro assim no género, ali para
os lados de Tete, mas só me lembro do nome do Roxo. Esse também se dizia que
era um empregado do Jardim - era? não era? - não sei.
AMF:
Sim, sim; funcionavam, também, como Informadores.
NL:
Pois, era possível que funcionassem com isso tudo.
AMF:
Em Nampula, depois de 25 de Abril, teve ocasião de
observar solicitações às Forças Armadas Portuguesas, quando havia conflitos,
problemas, entre africanos e portugueses?
NL:
Conflitos de que tipo?
AMF:
Por exemplo, havia reivindicações nas empresas, havia
tensões entre colonos e naturais?
NL:
Em Nampula, não. Mas tenho a impressão de que, depois,
nas outras localidades, já fora, muitas vezes, as Forças Armadas eram a
via que actuava. Mas nisso nunca entrei.
AMF:
E lembra-se de ter constatado algum movimento de
regresso a Portugal da parte dos colonos que estavam instalados em Moçambique?
Da parte de brancos.
NL:
Não, porque isso se processava tudo cá em baixo.
Passava-se tudo na área de Lourenço Marques...ou, Maputo, Beira, por ali. Lá no
Norte, em Nampula, não, que praticamente estava quase despovoada. E os que lá
havia, lá se aguentaram...Não houve assim um movimento de regresso à Metrópole.
AMF:
Como o que houve em Angola?
NL:
Não, não houve.
AMF:
Disse-me que antes de partir para Lusaka, integrado na
delegação, veio a Lisboa, onde teve uma entrevista com o Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas, General Costa Gomes. A pergunta,
no caso de entender que deve esclarecer, é se o CEMGFA lhe deu indicações
específicas sobre a sua missão neste acontecimento.
NL:
Não, não me deu informações específicas. Eu é que
vinha para lhe pedir informações específicas sobre como estabelecer um acordo
de cessar-fogo com a FRELIMO. Porque - e foi essa a razão que me levou a pedir
a entrevista ao General Costa Gomes - o MFA que estava em Moçambique, e até
todos nós, militares, estávamos com um problema. Era que as nossas tropas já
não combatiam.
A entrada da FRELIMO em Nangade
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Começou a acontecer a tal coisa, que me levou a mim a...deixar
o MFA. Começaram a dizer que as nossas tropas andavam lá a "matar
pretos", e isto e aquilo....Por um lado, as nossas tropas vontade de
combater já não tinham nenhuma, nenhuma! Antes das negociações com a FRELIMO já
tinha havido dois acontecimentos chatos, um em Omar e o outro, parece-me que
não é muito falado, que foi, salvo erro, em Mocímboa do Rovuma. Em que o
homem que lá estava a comandar o Batalhão tomou a decisão, quanto a mim
acertada, de retirar de Mocímboa do Rovuma para Mueda, que era a capital, para
evitar que aquilo desse em debandada. Porque eles já não combatiam! E iam
render-se aos outros, não é? Ele ainda é vivo, não me recordo agora do seu
nome. Assumiu, e muito bem, o comando do Batalhão, e sujeitou-se a ser punido
por retirar frente ao inimigo. Assim, conseguiu que o Batalhão retirasse de
Mocímboa do Rovuma e viesse para Mueda, inteirinho, comandado, sem desordem
nenhuma, e que não ficasse lá ninguém, ou se entregasse ao inimigo.
AMF:
Isso porque já tinha havido um...problema anterior.
NL:
Não sei se Omar foi antes ou depois. Mas o que penso é
que já tinha havido estes episódios e mais umas coisas noutros sítios
AMF:
Mais uns dois ou três casos, pelo menos.
NL:
Antes de partir para as conversações
de Lusaka, fui pedir audiência ao General Costa Gomes, porque nós
pensávamos: ou adquirimos um acordo de cessar-fogo com a FRELIMO ou qualquer
dia eles pôem-nos daqui para fora a pontapé, sem precisarem de nos dar tiros,
porque as nossas forças já não combatem. E depois, tínhamos de ir embora
maltrapilhos...Tinha de se fazer um acordo de cessar-fogo antes, para não
passarmos pela vergonha de sermos empurrados para o mar. Em linguagem rude, era
isto. E foi isto que vim dizer ao General Costa Gomes: - Olhe que se passa isto,
nós estamos a ver...; porque já não se combatia.
Havia Capitães-Milicianos de Engenharia que já não mandavam as tropas fazer
nada! Milicianos...porque estavam todos já no outro lado...A minha entrevista
com o Chefe do Estado-Maior foi para lhe apresentar este aspecto.
AMF:
Quando diz o outro lado, está a referir-se à vontade
de regressar?
NL:
Queria dizer: à vontade de regressar, já não queriam
combater. As províncias ultramarinas eram para ser independentes, portanto já
não punham as tropas a combater.
AMF:
Já não fazia sentido, não é?
NL:
Sabe o que se passou com as forças em Angola, nalguns
sítios? Que se entregaram?
AMF:
E foi o que aconteceu em Omar?
NL:
Em Omar entregaram-se...
4-8-1974, dia do apressado abandono de Nangololo
por parte da CART 7256
AMF:
Mas houve prisioneiros feitos por parte da FRELIMO
NL:
Não houve prisioneiros, ninguém fez prisioneiros, mas
não há dúvida nenhuma de que se entregaram, quer dizer, entregaram as armas, entregaram tudo, e já
não eram combatentes! Mais um bocado e a FRELIMO dizia: Pst!, eh, ponham-se a
andar, e aquela malta punha-se toda a andar!
AMF:
Também na entrevista que fez, e me deu a ler, diz que
em Lusaka houve uma longa discussão. Como é que as discussões estavam
organizadas? As delegações dividiram-se em grupos ou estiveram sempre juntas?
NL:
Não,
não, foi sempre à mesa...
AMF:
...frente a frente?
NL:
...Uma delegação de um lado, outra delegação do outro,
e depois, iam surgindo os assuntos: “Então e agora como é que se faz, e como
vai ser...?” E depois, ficou mais ou menos exarado. Não houve aquilo que se
possa chamar de uma discussão grande, não houve ali um grupo a tratar de um
assunto e outro a tratar de outro, não...foram-se tratando os assuntos assim.
Não pacificamente, isso não...Não vale a pena estar aqui com coisas, que o
Samora Machel fartava-se de nos chamar colonialistas e outras coisas
parecidas...
AMF:
Era ele principalmente quem falava, ou havia outras
intervenções?
NL:
Ele,
ele...só falou ele! Não deu a palavra a mais ninguém.
AMF:
Não viu lá, nessa altura, o Aquino de Bragança?
NL:
O Aquino de Bragança não estava na mesa. Mas estava em
Lusaka, eu viu-o lá.
AMF:
Ele não era natural de Moçambique, não é?
NL:
Pois, não era moçambicano,não.
AQUINO
DE BRAGANÇA
AMF:
E falou-se num anteprojecto. Tem ideia de que haveria
um anteprojecto, trazido pela...
NL:
Pela FRELIMO. Tenho ideia, mas não juro...
AMF:
Lembra-se de como é que se falou, se se falou, da
libertação dos militares que havia presos, pela FRELIMO, durante a guerra? Havia alguns, não? Que depois vão ser libertados mais
tarde.
NL:
Sim, falou-se. O assunto foi abordado. O que se
passava é que, da FRELIMO, quem é que tinha prisioniros nossos? Que nós
soubessemos, ninguém. Não tinham ninguém.
AMF:
Havia uns quantos prisioneiros
NL:
Em Moçambique?
AMF:
Não, estavam na Tanzânia.
NL:
Eu tenho a impressão que não havia ninguém. Agora, já
lá vão estes anos todos... Mas tenho a impressão de que não havia ninguém. Isso
foi uma das coisas que o Samora Machel queria saber: "Então, agora como é para
os prisioneiros da FRELIMO?". Penso que nós também não tínhamos nenhum. Não
havia propriamente prisioneiros, de maneira que foi um assunto que
automaticamente se resolveu.
AMF:
Portanto, não houve discussão ou debate sobre troca de
prisioneiros?
NL:
Não, não. Quer dizer, terá havido conversas sobre a
troca de prisioneiros, mas foi um assunto que ficou resolvido, digamos, sem
mais formalismos.
AMF:
Sobre a PIDE, poderiam, em Lusaka, ter falado alguma
coisa?
NL:
Não, não, não.
AMF:
Sobre os combatentes africanos, moçambicanos, que
estavam integrados nas Forças Armadas Portuguesas? Em Lusaka, falaram sobre
esse assunto, recorda-se?
NL:
É possível que se tenha falado, mas volto à mesma, o
que ficou assente, o que eu me recordo, é de que essas forças
estavam ... aquarteladas, talvez.
AMF:
E sobre o destino dos colonos brancos, debateram isso?
NL:
Tropelias
AMF:
E sobre a questão da nacionalidade? Porque está ligada
com a questão dos colonos. Quem é que teria direito à nacionalidade portuguesa
ou à nacionalidade moçambicana?
NL:
Também não foi discutido. É por isso que volto a dizer,
como já lhe tinha dito em OFF, que deve haver um artigo, ou um acordo prévio,
em que discutiram isso. Porque se lermos o Acordo de Lusaka não diz nada sobre
o assunto.
AMF:
Pois não.
NL:
Não diz nada. Portanto, tenho a impressão de que isso
já teria ficado acordado.
AMF:
E sobre os futuros serviços e estruturas de Moçambique
que, anteriormente, eram ocupadas pelos portuguesas?
NL:
Pois, os organismos civis, era tudo para resolver -
suponho que está escrito em algum lado - pelo Victor Crespo, que era o Alto-Comissário. O Alto-Comissário resolveria isso com as autoridades da
FRELIMO. A parte militar, essa, nós assentámo-la logo. Assentámos logo que, por
exempço, todos os materiais ficavam para a FRELIMO, não íamos trazer para a Metrópole
o material de guerra que lá estava. Só algum material que ainda não tivesse
entrado ao serviço, que tivesse chegado há pouco tempo a Moçambique e que ainda
estivesse para ser distribuído aos orgãos executantes, esse já não se
desencaixotava. O outro, nós entregámos tudo à FRELIMO. Entregámos viaturas...
entregámos-lhes isso tudo.
AMF:
E sobre a questão das minas colocadas, lembra-se
de terem falado?
NL:
Falou-se, falou-se nisso das minas. Era um problema
que tinha de ser resolvido localmente. Porque quem as tinha colocado saberia
onde as tinha colocado. Em Moçambique não houve grandes problemas com as minas.
Por lá resolveram os problemas entre eles.
AMF:
E relativamente ao funcionamento da Economia,
recorda-se?
NL:
Economia?...É por isso que lhe digo que terá havido o
tal acordo prévio, ou então que isso terá estado englobado nos assuntos que o
ACORDO estipulava que deveriam ser resolvidos pelo Alto-Comissário. Ele depois
é que teve de resolver esses assuntos com as autoridades da FRELIMO, não
foi ali entre nós. Ali foram só os aspectos militares
AMF:
Esse é que foi o factor decisivo?
NL:
Pois, foi o leitmotiv
AMF:
Então, também não se terá falado a respeito da
cooperação com Portugal, das relações de cooperação, depois da independência?
NL:
Também não.
AMF:
Isso vê-se bem no texto do Acordo. Disse-me, então,
que, da parte moçambicana, o único interlocutor a falar foi o Samora Machel.
NL:
Da parte moçambicana, foi ele. O Presidente é que
falava, e os outros atrás ouviam.
AMF:
E nunca se manifestavam, na reunião?
NL:
Não, não se manifestaram.
AMF:
Tem ideia se se falou em Lusaka sobre o número de
combatentes da FRELIMO?
NL:
Sobre números já não me recordo, mas é possível que
sim. Mas ficou ali, depois não se fez coisa nenhuma...Ter-se-ia discutido, por
exemplo, qual o efectivo militar que estava em Mueda, e qual o efectivo militar
da FRELIMO que iria ficar em Mueda. Isso é possível ter-se referido, mas sem
nenhumas consequências. Foram depois as autoridades militares, as nossas e as
deles, que discutiram isso, sobretudo depois em Nampula, as quais foram comigo
depois da assinatura do Acordo.
AMF:
Sim, provavelmente até no âmbito da Comissão Militar
Mista.
NL:
Pois.
AMF:
Portanto, em Lusaka, esses assuntos não foram
pormenorizados?
NL:
Não.
AMF:
Um segundo aspecto: depois da assinatura do Acordo, o
senhor Coronel ficou mais tempo em Lusaka do que o resto da delegação
portuguesa, que veio imediatamente embora...
NL:
Essa veio-se logo embora. Assim que assinámos o
Acordo. Aquilo acabou às duas e tal da tarde. Almoçaram, comeram qualquer
coisa, foram para o aeroporto e vieram-se embora para Lisboa. Nos livros do
Almeida Santos e dos outros....Nenhum deles quer reconhecer, perdoe-me o calão...QUE
SE PIROU ! Mas piraram-se todos, deixaram-me sozinho no aeroporto
AMF:
Ficou até quando?
NL:
Fiquei até ao outro dia...
AMF:
Até ao dia 8, portanto
NL:
O Acordo foi a 7, por isso foi a 8
AMF:
E quanto àquele outro episódio, em Lusaka, depois
da vinda da delegação portuguesa?
NL:
Portanto, os nossos amigos de cá, a
delegação....pirou-se, e eu fiquei no aeroporto sozinho. Eu até costumo brincar
e dizer que disse para mim mesmo: “ Ó Nuninho, tu metes-te em cada uma, pá...!’”
Jornalistas presentes no Acordo de Lusaka
Olhava para os lados … e não via ninguém, fiquei
único! Bom, eles tinham-me posto um motorista, um carro de Táxi, à disposição.
De maneira que estava de Táxi, e pensei: “E agora para onde é que eu vou?”
...; E lembrei-me: “há uma coisa, um garden party...” Havia um beberete,
oferecido pela comunicação social de Moçambique afecta à FRELIMO. Estava lá a
decorrer, realmente, nos jardins, ao lado do Palácio do Governo, ou coisa
assim. Disse ao Táxi para me levar para lá e fui buscar um grelhado
qualquer...E andava - isto, autenticamente, é verdade - eu andava, pronto,
contente, quando apareceu o tal senhor. Um tipo com um cartaz muito grande, a
dizer; Tenente-Coronel Lousada, o Presidente Samora Machel chama-o ao Palácio
do Governo. E eu: “Olha, pá, agora só me faltava esta...”. Mas lá fui. Meti-me
no tal Táxi e fui para o Palácio do Governo. E quando lá entrei - até tenho
para aí escrito - o Samora Machel veio direito a mim, a dizer-me: “Traição!
Isso é verdade…?”
Ten-Cor Nuno Lousada (à
direita), com Samora Machel e os chefes militares da Frelimo, presentes
em Lusaka
7 de Setembro de 1974, depois de assinado o Acordo de Lusaka. E após a revolta em Lourenço Marques
|
AMF:
Zangado?
NL:
Zangado! Mas não me chamou nomes nenhuns, nem me
invetivou. Veio a dizer: “Traição!” E eu..., pode imaginar-me, com
cara de parvo, não sei que cara seria a minha, mas assim: “Mas, traição o quê
pá?!!, e ele: “Traição. Então não ouviste?! Acabámos de assinar um acordo de
cessar-fogo, pá, e já estão a fazer operações militares contra nós, contra a
FRELIMO, em Lourenço Marques! Então, não sabes?”. “Eu não,Eu não sei
nada! Eu venho do Garden Party, não sei nada...” E ele: “Então ouve aqui”: E
pôs-me a ouvir uma estação de rádio que estava a transmitir a rádio de Lourenço
Marques – isto, embora pareça que não é importante, é. E então, estava um
fulano, nem sequer sei quem era, a dizer pela rádio que negavam o Acordo de
Lusaka, e que já tinham o apoio das unidades militares de Moçambique para
continuar a luta, e que até já - e aí eu estava aflito...- as unidades de
Nampula e unidades de Comandos estavam para actuar...Pode imaginar o assustado
que eu estava nessa altura...?
AMF:
Ficou numa situação muito delicada, não?
NL:
Se estava delicada! Dizia o Samora Machel:
“E foi o Presidente Spínola que deu as ordens para os tipos de Lourenço Marques
se levantarem e fazer isso” E eu: “ Eu não acredito nessa coisa, essa coisa que
estás a dizer. Olha, com as unidades de Nampula ficou estabelecido... - que
grande merda!” olha, um merdas de um Tenente-Coronel como eu, desculpe o
palavrão, é que ia agora mandar as forças de Nampula? Ficou acertado, entre mim
e elas, que só actuavam se eu lhes desse ordem ou autorização, portanto as
forças de Nampula não se mexem, pá, está descansado. E, pelos Comandos, também
respondo eu que não!”, e o Samora: “Tens
a certeza?”, e tal? Isto foi a conversa entre mim e o Samora!... “Tens a
certeza?”. “Ttenho a certeza, respondo por isso. Respondo! As forças de Nampula
estão à espera que eu lhes diga, se sim, se actuam, e os Comandos também não
actuam sem ordens minhas’’
AMF:
Mas quando diz Comandos, são as unidades de Comandos ou
os comandos militares?
NL:
Os Comandos, tropas. Porque o que estava na rádio,
estava dizer: e os Comandos ... também iam todos actuar...Antes disso, o
Samora Machel tinha-se voltado para trás, para o Mabote, e tinha dito: “Dá
ordens para as forças da FRELIMO atacarem todas as forças portuguesas!”
General da FRELIMO
Mabote
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E eu, se não desmaiei na altura, nem tive nenhum
ataque de coração, também já não devo ter! Eu sabia o que se tinha passado em
Omar, o que se tinha passado em Mocímboa do Rovuma, o espírito com que estavam
as tropas, e pensava: isto é o fim da macacada, se as forças da FRELIMO
atacam de repente as nossas forças...isto vai ser o fim, o fim... Disse-lhe - a
expressão verbal foi: “não faças isso!” ,e ele voltou-se para mim: “Não
faço isto?! Então o que faço?” E eu tive uma frase política, que não sei como me
ocorreu...às vezes estas coisas na vida saem sem querer...Disse: “Faz aquilo
que achares melhor para o Povo de Moçambique e para o Povo Português!”. E o
Samora Machel olhou para mim, voltou-se para trás, para o Mabote, e disse: “Sem
efeito a minha ordem Eh pá!”.
AMF:
Respirou fundo.
NL:
Respirei fundo, bem...E a partir daí, depois: "Então, vamos ver se as indicações que estão a dar pela rádio são
coisas do Spínola". E fomos lá para cima, para a zona do Palácio do Governo que
estava entregue a eles, e telefonou-se para o Spínola, e correu mal, correu
muito mal! Eu não ando agora a dizer por aqui e ali, mas correu mal. Correu
muito mal entre os dois, e ficou a coisa muito crispada. E depois parece-me que
já foi por sugestão minha, ou então foi ele que perguntou, telefonou para o General Costa Gomes. E o Costa Gomes, que não tinha nada a ver com o Spínola,
fez uma conversa: " Não senhor, daqui não houve ordem nenhuma para Lourenço
Marques, é a paz, é o Acordo de Lusaka" ... bom, já não sou capaz de repetir ao
certo. Pronto, e o Samora sossegou. O Samora sossegou, depois da conversa com o
Costa Gomes. E foi quando, depois, me foi servido o tal jantar, pela Graça
Simbine. E o ambiente ficou assim.
Bem, e depois, então, começámos a combinar a vinda
para Nampula no dia seguinte, quem vinha comigo e quem não vinha. Assentou-se
quem é que vinha no outro dia. Fez-se o pedido: um avião, alugaram um
avião de Nampula para nos vir buscar, e pronto, passou-se assim o resto da
noite, até as pessoas se deitarem.
AMF:
Tratavam-se por tu
NL:
O Samora Machel tratava tudo por tu. E eu tratava-o
também a ele. Tratava toda a gente por tu, sobretudo os combatentes. Na mesa
das negociações, a certa altura, o Samora Machel tinha perguntado: “Quem é que está
aí, na delegação portuguesa, das tropas combatentes?” e eu não vi ninguém
levantar-se, porque ninguém se podia levantar, e levantei-me eu. “Estou eu, que
sou das Operações do Quarte-General”. E ele: “É que eu tenho aqui os
meus comandos todos, e tal---",“ então, daqui estou eu", disse-lhe eu, "sou
combatente", mas agora estava nas Operações. Bom, e dali para a frente, o Samora
falava a olhar para mim, não para os outros. Porque ele era um cabeça.....
Portanto, para ele... aquele, que é o combatente, é com aquele que vou falar. E
depois, como digo, decorreu o que decorreu, naquela conversa no
Palácio do Governo.
AMF:
Entenderam-se entre combatentes.
NL:
A coisa com que ele ficou pelo Tenente-Coronel, que
era como ele me chamava, eu era o Tenente-Coronel
AMF:
Quanto ao episódio da noite de 7 de Setembro tenho uma
dúvida, porque há informações contraditórias em fontes impressas...Portanto,
durante a conversa com Samora Machel, à noite, no hotel, o senhor Coronel diz
que houve um primeiro telefonema para o General Spínola, para o Presidente da
República...
NL:;
Sim
AMF:
...que
correu mal, não foi?
NL:
Sim, correu mal.
AMF:
E depois, que há um segundo telefonema, para o General
Costa Gomes...
NL: Sim
AMF:
Ora, eu encontrei, num livro do jornalista João Paulo
Guerra, que esse segundo telefonema teria sido feito para o Primeiro-Ministro,
que era Vasco Gonçalves...
NL:
Comigo a tomar parte no assunto, não foi, Foi para o General Costa Gomes.
AMF:
E o engenheiro Monteiro da Silva também refere que o
segundo telefonema é com Vasco Gonçalves.
NL:
Então, esse não foi comigo.
AMF:
Provavelmente é um engano, mas...
NL:
Comigo, o que houve, e eu é que estabeci conversa com
o General Costa Gomes, e disse que estava a conversar com o presidente Samora
Machel sobre o que se estava a passar em Lourenço Marques...Isso foi comigo e
com o Costa Gomes. Se houve alguma coisa com o Vasco Gonçalves foi fora do meu
conhecimento.
AMF:
Portanto, não foi durante esse episódio?
NL:
Acho que não.
AMF:
Não deve ter sido então...isto acontece muitas vezes.
Uma pessoa comete um erro, e depois as outras vão-se baseando nela e vão-se
repetindo. Às tantas, esta informação já aparece em vários sítios diferentes.
Há algum outro aspecto que ache importante referir,
relativo a Lusaka? Que eu não esteja a ver...
NL:
Deixe-me só falar numa coisa, que me está...eu não sei
qual é a possibilidade que têm de conseguir isto...No Maputo, eles têm isto
tudo registado com certeza, eu quase jurava que eles têm isto tudo gravado,
todas estas coisas que se passaram.
AMF:
Gravadas?
NL:
Estou convencido de que sim, de que têm aquilo tudo
gravado. Que possibilidades teriam, entidades oficiais de investigação histórica
cá, de pedir? Mostrem lá o diário das conversaçõs em Lusaka, não sei que
possibilidades é que...porque têm tudo gravado.
AMF:
Lembra-se de que havia gravação a decorrer?
NL:
Não, porque, para já, eu estava nervosíssimo, como
pode calcular! E estava era com atenção ao que se estava a passar comigo, e em
relação àquilo que se estaria a passar por fora. Se estariam mesmo a gravar, ou
não, eu não cheguei a aperceber-me . Mas estou convicto de que sim, de que eles
gravaram tudo.
AMF:
Bom, para conseguir isso precisávamos de duas coisas:
de dinheiro para lá ir, que é o mais fácil; e da autorização para consultar
esses registos, no caso de terem existido. Essa é mais difícil. Mas é uma boa
sugestão, e eu vou ficar com ela.
NL:
Pois, eu não queria esquecer. É uma coisa que eles, de
certeza....
Eu não ponho a cabeça em sítio nenhum por nada....mas quase juro que eles, se
não gravaram tudo, pelo menos parte daquelas coisas gravaram. Eu tenho a
impressão até...que aquela senhora célebre que foi directora de um
jornal...
AMF:
A Vera Lagoa?
NL:
Que a Vera Lagoa chegou a referir, mas também o que
ela dizia não se escreve....Tenho a impressão de que escreveu qualquer coisa
assim, que a conversa que houve entre mim e o Samora estava gravada...
AMF:
À noite?
NL:
À noite. Ela escreveu isso. Até dizia que o Samora me
tinha insultado, e não sei quê, o que é mentira, não tenho pejo nenhum em
afirmar.
AMF:
Nem da parte dele, nem de outras pessoas?
NL:
Nem de outras pessoas. É como eu digo, quase ninguém
abria o bico, pelo menos, eu não tenho ideia de ouvir abrirem...
AMF:
Mesmo à noite?
NL:
Mesmo na conversa à noite
. Mas a Vera Lagoa escreveu isso no jornal. É mentira que ele me tenha
insultado. Mas continuo convencido de que há gravações disso. E quem sabe,
também, se há gravações ou não é a Graça Simbine
Casamento de Graça Simbine com Samora Machel
AMF:
Depois Graça Machel.
NL:
Depois Graça Machel. Que ela eatava ali, foi ela que
nos serviu o jantar, nessa noite. Porque estas coisas deram muita coisa que
falar. E portanto, não sei que horas eram, e eu ainda não tinha jantado...
AMF:
Mas isso foi onde, no hotel?
NL:
Em Lusaka. No
Palácio do Governo. E, a certa altura, a Graça Simbine foi buscar meio
frango, ou qualquer coisa assim, e deu-nos de jantar. Isto é para lhe dizer que
não jogámos à pancada, nem nos insultámos...Foi ela que serviu o jantar, e
ficou minha amiga, muito minha amiga.
Samora Machel na
sua visita a Portugal em Outubro de 1983
AMF:
Como se
vê, depois por aquela declaração de apreço quando vieram a Portugal em visita
oficial. Muito obrigado por essa sugestão, que é muito útil. Assim eu a
consiga concretizar.
Em seguida, conforme vi na sua entrevista, quando
regressou de Lusaka a Moçambique, regressou directamente a Nampula. E viajaram
consigo...
NL:
Como estava no Acordo, já não sei como está escrito.
Mas sei que ficou decidido na reunião que eu no outro dia iria para Nampula com
os chefes principais da FRELIMO, como fui, com o ministro da Defesa, o chefe do
Estado-Maior, o comandante militar não sei de onde...Ainda sei, mais ou menos,
os nomes deles. Lembro-me do Chipande, era o ministro da Defesa, do Mabote que
era o CEME, o comandante do Exército. Do Armando Panguene. Já só falta um, que
não sei se era o Gebuza.
AMF:
O Actual Presidente.
NL:
Mas tenho a impressão que não era o Guebuza, que era
outro, também um comando das forças operacionais deles. Mas destes três
lembro-me.
AMF:
Não encontrei ainda, em sítio nenhum, referência a
quem são esses primeiros elementos da FRELIMO. São os primeiros que entram?
NL:
Vieram comigo. Foram os primeiros, precisamente com a
missão de constituir aí uma Comissão Militar Mista. E depois o
Quartel-General nomeou os oficiais que tinha de nomear, e estabeleceu-se essa
Comissão com a FRELIMO, e começou-se a estudar, a pensar e a organizar a
retracção das nossas forças e o avanço das tropas da FRELIMO, claro. E seriam
depois essas quatro entidades da FRELIMO, que eram os comandos principais, que,
juntamente com as personagens do Comando Militar português de Moçambique - que
estava em Nampula, e depois até veio para Lourenço Marques -, iriam
estabelecer as normas e organizar em detalhe como seria então com as forças
portuguesas que estavam no terreno.
AMF:
A retracção das forças?
NL:
A retracção das forças portuguesas e a entrada em
dispositivo das forças da FRELIMO. Isso era depois com a Comissão Mista, que
isso tinha de ser feito no terreno. Senão não se podia estar: o comando em
Nampula, o comando em Montepuez, o comando não sei onde, dava uma salgalhada com
o comando.
AMF:
Foi uma operação de grande envergadura.
NL:
Foi formada essa Comissão Militar Mista, que estudava
como se ia fazer, e os passos em que aquilo se ia fazer, e depois, como estava
no Comando Militar, as ordens iam saindo para os respectivos comandos
militares, para darem execução ao plano que se tinha estabelecido, à
programação.
AMF:
Mas, e as suas funções específicas, nesse tempo?
NL:
Mantiveram-se onde estavam, porque eu estava
precisamente na Repartição de Operações do Quartel-General.
AMF:
Portanto participou nesse planeamento?
NL:
Sim, participei. Já não muito, porque como eu vinha
embora...Quer dizer, já estava, digamos, com os pés nos estribos... Mas ainda
participei nisso.
AMF:
Foi a sua actividade principal?
NL:
Aí, foi.
AMF:
Lembra-se do 21 de Outubro?
NL:
O que é o 21 de Outubro?
AMF:
É uma réplica do 7 de Setembro, em Lourenço Marques,
em que há um massacre...há muitas mortes de brancos...
NL:
Isso foi no 7 de Setembro.
AMF:
E, depois, volta a haver no dia 21 de Outubro
NL:
Ah, disso eu já não sei.
AMF:
Pois estava longe, não é?
NL:
Estava longe.
AMF:
Não chegava ao seu conhecimento?
NL:
Não. Até desconheço essa data e tudo.
AMF:
E ficou em Nampula até ao final? Não veio para
Lourenço Marques?
NL:
Não, fiquei até Janeiro em Nampula
AMF:
Alguma vez voltou a Moçambique ?
NL:
Não
AMF:
Nem manteve relações com moçambicanos?
NL:
Não, por cá, não mantive. A não ser quando cá veio o
Samora visitar o Presidente da República, então tive outra vez conversas, com
ele e com a mulher. Mas, de resto, nunca mais tive ligações com as coisas de
Moçambique. Como lhe digo, eu também não era...muito afecto, digamos, às
organizações que havia por cá, que, na altura, eram quem falava com Moçambique e
Angola, e eu não era chamado para nada disso.
Rádio Clube de Moçambique, em Lourenço Marques.
7 de Setembro de1974
|
AMF:
Lembra-se de algum episódio que tenha sido referido durante
o tempo em que lá esteve e de que não se tenha falado ainda?
NL:
Não, enquanto lá estive, não. É que, nos meios
militares, as coisas passavam-se um bocadinho...à distância. Não é estranho, é
mesmo assim. Eu era um Tenente-Coronel, oficial adjunto da 3ª Repartição do Chefe
do Estado-Maior, e ninguém ligava a mais nada do que a isso. Portanto, só iria
saber alguma coisa que eu pudesse apanhar por fora. O resto passava-se nos
escalões de General e Brigadeiro. E o Tenente-Coronel que estava lá, chefe da
repartição, não sabia de nada
AMF:
Não lhe chegava a informação?
NL:
Não, não me chegava a informação.
AMF:
Muito obrigado pela sua colaboração
Carlos Jorge Mota