INSÍGNIA E LEMA

INSÍGNIA E LEMA
CONQUISTANDO OS CORAÇÕES SE VENCE A LUTA

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

EXPERIÊNCIA E SOLIDARIEDADE

Ao dar volta ao meu Espólio Militar que ainda faz parte da nossa comissão em Angola fui encontrar uns livros que pertenciam à primeira viatura Berliet que recebi em Luanda e que com ela fiz o meu batismo de Berliet-Tramagal e logo para a deslocação da nossa Companhia para as Terras-do-Fim-do-Mundo (Coutada do Mucusso), cerca de 2.500 Kms.
Começo por recordar a capa de um dos livros onde está escrito por mim naquela época a matricula MX-43-02 cujas letras e números nunca esqueci, tal como a que levei para o Luso, sem 3ª e 6ª velocidades, que saltavam, e que tinha a matricula MX-03-65.

 Depois de abrir vieram as recordações:
 Figura Nº 1 do livro - o painel de instrumentos que tantos e tantos dias era o meu companheiro de viagem do Dirico para o Calai e vice-versa.

Figura Nº 2 do mesmo livro - entre outra o conjunto dos pedais de comando e à esquerda, em baixo, junto ao inversor de luzes médios-máximos, o abre-garrafas-de-cerveja que, mesmo quentes não escapavam, depois de abertas e bebidas com muito cuidado e sabedoria voltavam-se a fechar para que Vagomestre não desconfiasse (o que não acredito), mas a Nocal tinha algo a nosso favor:  as garrafas não tinham separação entre elas dentro das grades e com o andamento e salto das viaturas e as cargas e descargas algumas partiam e nós aproveitávamos e juntavam-se as já bebidas  com o corpo da garrafa partido só ficando a parte da tampa intacta. As viagens entre a Coutada e o Dirico eram de longas horas e feitas de noite, por vezes o sono apertava e lá ia uma cervejinha para despertar.

Fotografia nº 3 - setor da caixa de velocidades.
Caixa sincronizada com 6 velocidades baixas e 6 velocidades altas para a frente e uma marcha-atrás alta e uma outra baixa, setor totalmente diferente dos carros dos nossos dias, setor esse em que muitos condutores sentiam algumas dificuldades por ser ao contrário e  arrancavam em 3ª velocidade. Raramente era utilizada a 1ª velocidade para esse fim, era tão encostada à marcha-atrás que quase sempre dava confusão, mesmo nos condutores mais habituados  a estas máquinas, muitas das vezes ao tentar engrenar a primeira normalmente entrava a marcha-atrás.

Figura 4  - alavanca das altas e baixas:
Era aqui, em conjunto com o motor, que se encontrava a grande força destas máquinas, mais para trás, entre os bancos, o travão de mão, as alavancas de tração às 4 rodas e o comando do guincho (as que o tinham), e que não vem mencionado neste manual. Na figura 1 está ainda mencionado com o nº 13 o bloqueio elétrico do diferencial.

Figura 7 - a direção;
Depósito do óleo hidráulico da pequena servo-bomba de direção acionada por uma pequena correia.

Veio-me então à memória um caso passado por volta de 1976/77, já, claro, na vida civil, trabalhava eu na empresa Francisco Batista Russo & Irmão SARL (posteriormente passou a designar-se RI) onde exercia as funções de 1º Caixeiro de Peças das marcas MAN e Saviém (hoje Renault), surge na Av. Marechal Gomes da Costa, que vai da Rotunda do Relógio para o hoje Parque das Nações - esta Avenida tinha uma faixa central, tipo passeio-central em que os funcionários de quase todas as empresas aí instaladas aproveitavam para estacionar as suas viaturas em espinha e onde o meu BMW 1600 também se encontrava estacionado naquele dia -, surge então uma Berliet-Tramagal desgovernada e que, quase em frente á Firma RI, apanha a berma do passeio e bate em 4 viaturas de companheiros meus. Felizmente que o meu carro estava um pouco mais acima e não sofreu nada. O Opel pertencente ao Chefe da Secção de Máquinas do RI, e com a esposa lá dentro, foi abalroado de traseira pela Berliet, a senhora ficou em pânico ao ver aquele monstro em cima da traseira do carro. Como a secção de peças dava para a rua saí e fui ver o que se passava. Vi então o condutor a chorar e dizendo que lhe faltava uma semana para passar à “peluda”. Ora a minha reação não se fez esperar, mesmo não tendo nada a ver com o caso, mas que, com a minha experiência naquelas viaturas, peço para o condutor abrir o capot e disse para levar o chefe de viatura e mais os outros camaradas e que fossem ver os estragos causados nas outras viaturas civis. Subo à frente da Berlit e, com um pequeno canivete que tinha no bolso, corto a pequena correia e meto-a na algibeira, chamo o condutor e transmito-lhe que a viatura está sem direção-assistida e que sem a mesma não era fácil segurar a viatura se ela apanhasse uma pedra ou mesmo o passeio, não lhe informando que fui eu que a cortei (a correia) e recomendei que afirmasse sempre que ficou sem direção, embora o chefe de viatura dizia que o condutor vinha na brincadeira e eu apressei-me dizendo-lhe que se a correia não partisse talvez nada tivesse acontecido. Surgiram então os superiores a fazerem o respetivo auto e fui chamado para testemunhar em como a viatura não tinha direção e foi-me feita a pergunta: “como é que o senhor sabia?” Respondi que andei com estas viaturas cerca de 24 meses em Angola e tive uma experiência similar ao ser rebocado dentro do Campo Militar do Grafanil.  Éramos dois condutores ao volante e era difícil manobrar a direção. No entanto insistiam que a correia tinha que estar algures nas proximidades. De facto não a encontraram, nem podiam encontrar, por a mesma estar bem guardada dentro do meu cacifo da roupa. Entretanto os autos foram concluídos, as viaturas civis foram reparadas, mas, passados uns meses, estava eu no meu posto de trabalho e entra um individuo, que não reconheci de imediato, e espera pela sua vez de ser atendido e quando o meu colega pergunta "quem está a seguir?" o rapaz responde que queria ser atendido por mim. Olho então e reconheço o ex-militar. Ele olhou para mim, sorriu com um sorriso amarelo, como diz o povo, acabo de atender o meu cliente e dirijo-me então ao rapaz que, quase a chorar, me dá um abraço e diz: “o senhor salvou a minha vida ao dizer que a viatura não tinha direção”. Foi então que fui ao cacifo e trago a respetiva correia cortada e digo-lhe que não tinha nada ficado sem direção mas sim que eu a tinha cortado e com a falta daquela pequena correia a viatura ficaria sem direção. Ele responde que foi informado pelos mecânicos da unidade que foi uma sorte a correia ter partido, se não fosse isso tinha que pagar a reparação das viaturas civis e o estrago da Berliet. O homem não se fez rogado, puxa duma nota não sei de quanto e fez questão de ma entregar, o que não aceitei. Combinámos então almoçar, pois era quase horas de almoço, e isso, sim, aceitava, para falarmos à vontade sobre o caso.
Falei com o meu chefe de então e disse-lhe que certamente chegava um pouco mais tarde. Responde “Boavista (porque também era assim conhecido no RI), vai à vontade, metes a tarde que nós resolvemos a tua falta, sais, picas o cartão e metes na minha secretária, eu trato do resto”. Saímos, fomos almoçar à Tasca do Zé Russo, que ficava logo por trás do RI e onde se comia e bebia bem. Resultado: uma tarde de conversas sobre a minha vida militar em Angola ao volante daquelas viaturas e ele a contar o passado dele na tropa e na vida civil, foi uma tarde com muita comida e bebida e algumas lágrimas de ambos, especialmente na despedida, com aquele abraço que durou alguns minutos porque ele iria emigrar para a Alemanha. Daí para cá não mais encontrei esse amigo, se assim posso dizer. Não sei se me procurou porque em fevereiro de 1986 saí da firma RI e passado uns dez anos a empresa fechou.












Mário Boavista


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