Depois de cerca de 3 meses de
Serviço à Rede de Luanda, a Companhia de Caçadores 2506 recebeu guia de marcha,
separando-se do seu Batalhão, para ir reforçar o dispositivo do Batalhão de
Cavalaria 2870, instalado no Kuando-Kubango, Distrito ainda hoje designado por
Terras-do-Fim-do-Mundo.
Onde estou e para onde vou |
Como o Capitão Santana se
encontrava doente, fomos comandados pelo Capitão Pires, da CCS (Companhia de
Comando e Serviços), e acompanhados pelo Comandante Tenente-Coronel Soares,
este último regressado logo de imediato a Luanda para junto do seu e nosso
Batalhão. O Capitão Pires voltou mais tarde para a sua CCS logo que foi
substituído pelo já restabelecido Capitão António Filipe Reis Santana.
O Batalhão de Cavalaria 2870 tinha
a CCS e uma Companhia Operacional sediadas em Serpa Pinto (atual cidade de Menongue,
designação, já nessa altura, da Rádio local), uma Companhia no Cuito Cuanavale
- que enviava um Destacamento para o Lupire (onde morreu o meu grande amigo e
camarada Sarreira, carinhosamente por nós designado por Sarreirita - noutro artigo
abordarei peripécias com este saudoso amigo e a forma como ele faleceu)
- e a outra Companhia estava
aquartelada em N’Riquinha, junto à fronteira com a Zâmbia, e enviava um
Destacamento para a Coutada de Mucusso – nosso destino de agora -, ponto
relativamente próximo à fronteira com a Namíbia, então designada por Sudoeste
Africano, território formalmente administrado, por mandato da ONU, pela
República da África do Sul (RAS), mas efetivamente considerado por esta como
território seu.
Chegados a Serpa Pinto,
completamente exaustos duma longuíssima viagem de alguns dias, e feitos os
preparativos para o destino final, sofro o meu batismo de voo, pois sou metido
num Avião Dakota sul-africano, com mais 18 camaradas, viajando de pé, arma e bornal
às costas, com destino à fronteira sul para recebermos 6 viaturas Bedford
provindas da RAS. Sobrevoada a Base Sul-Africana do Rundu (palavra que
normalmente era pronunciada “Runtu”) a baixa altitude, o piloto recebe a
informação que as viaturas já se encontravam do lado de Angola e fomos então
aterrar numa pista curta e de areia grossa, mas consistente, na localidade do
Calai, junto ao Rio Kubango e perto do Rio Cuito. Recebemos as viaturas e
ficamos a aguardar a coluna formada pelo resto da Companhia que partira
entretanto de Serpa Pinto.
No trajeto: o Autor e o Adário |
Em Artur de Paiva |
Todos juntos de novo, lá vamos a
passo de caracol para a Coutada de Mucusso, pois essa zona já se integra no Deserto do Calaari, o terreno é arenoso
e as viaturas não conseguem exceder os 30 Kms/hora. Acresce que para atravessar
o Rio Cuito, não havendo ponte, a única solução era utilizar uma jangada flutuante
cujo tempo de travessia é de cerca de 20 minutos para cada lado, com cabos de
aço puxados à mão, e cuja capacidade de carga era de uma única viatura, e
descarregada. Imagina-se, portanto, o tempo necessário para a passagem de todo
o pessoal duma Companhia, com o manancial dos seus materiais militares.
Jangada no Rio Cuito |
Higiene matinal no Rio Cuito |
Chegados à Coutada, rendemos
então um Grupo de Combate, comandado por aquele que é hoje o meu amigo e colega
de profissão, à altura Alferes Miliciano Esteves, com quem me interligo
diariamente via Internet.
Recordo-me do Paixão, Furriel
Miliciano desse Pelotão, estar permanentemente a dizer “eh pá, nós somos de Cavalaria! Nós somos de Cavalaria”, brincando
connosco por sermos os chamados “caçanhos” – de Caçadores. Um belo dia, estando
nós ainda em sobreposição com eles, o Glória acorda o Paixão às 3 horas da
madrugada. E o Paixão, estremunhado, pergunta: “que foi? que foi?” O Glória responde prontamente: “Oh pá, está na hora de ires dar de comer ao
cavalo!”
Areia do Deserto do Calaari |
Aquartelamento: Tendas-Cónicas já montadas |
Quartos |
Messe: Cap. Santana e sua simpatia, servindo bebiba a seus comandados graduados |
Cortaram-se árvores a moto-serra (com motor a gasolina) com cujo material tudo que não existia se construiu de raiz, incluindo espaldões para defesa, distribuídos de modo estratégico, dentro do circuito de arame-farpado entretanto reforçado ao já existente que se encontrava de forma rudimentar e pouco robusta. Com tijolos feitos no local concebeu-se um resguardo para um Filtro de Água Potável. E até um forno para fazer pão apareceu rapidamente, fruto de mãos habilidosas de gente habituada ao ofício. Instalações Sanitárias do nada surgiram, e inclusive chuveiros se improvisaram. Entretanto fomos abastecidos de um Gerador e, já mais tarde, de Frigoríficos a Petróleo, que muita falta fizeram no início, pois sendo abundante a caça e o único meio de subsistência para compor a ementa, além do tradicional bacalhau embalado em latões de alumínio – que encarecia substancialmente o custo orçamentável -, da dobrada desidratada, contida em latas grandes, e das conservas tipicamente portuguesas, não fosse a utilização massiva e contínua dessa carne muita dela se teria estragado pela sua deterioração rápida, face à amplitude térmica elevada nessa região. De dia a temperatura atingia os 45º e à noite descia para os 5º, tipicamente clima desértico. Foi o local onde senti mais calor e mais frio, no mesmo dia, em toda a minha vida.
Espaldão para abrigo |
Visão do lado da chana |
Abertura de vala para colocação dos bidões de JP1 (Gasolina para Helicópteros) (Fotografia cedida pelo Luís Frade em 2014.05.10)
Luís Frade executando tarefas de serralharia
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Carlos Jorge Mota
Gostei imenso de ver. Recordar é sempre gratificante. Parabens.
ResponderEliminarGrato, amigo - não sei se é Camarada -, em meu nome pessoal e da Companhia de Caçadores 2506, pois o Blogue pertence-lhe, eu apenas sou o Administrador.
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