INSÍGNIA E LEMA

INSÍGNIA E LEMA
CONQUISTANDO OS CORAÇÕES SE VENCE A LUTA

segunda-feira, 31 de março de 2014

VIII - RAZÕES DUMA GRANDE VIAGEM

Decorridos mais de 40 anos, fui sabedor agora das razões da ida da Companhia de Caçadores 2506 (a minha Companhia) para as Terras-do-Fim-do-Mundo. A distância, em linha reta, entre a Coutada de Mucusso e a fronteira do Distrito de Tete, em Moçambique, é mais curta que entre a Coutada e Luanda, capital de Angola, o que permite avaliar quão longe nos encontrávamos do nosso Batalhão.
Os hoje Coronéis, na situação de Reforma, Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, escreveram, há poucos meses, um livro intitulado ALCORA, que eu li e detenho, onde descrevem pormenorizadamente os termos do Acordo Secreto Militar então celebrado entre Portugal, a então racista RAS (República da África do Sul) e a então Rodésia do Sul, colónia britânica, autoproclamada independente como República da Rodésia – atual Zimbabwe - cujo Primeiro-Ministro, conservador, branco e racista, era Ian Smith, Acordo esse cuja existência nunca foi assumida por Portugal, pelo contrário, sempre foi negada, face à situação anómala da anunciada “independência” da Rodésia, não reconhecida pela comunidade mundial, por um lado, e, por outro, pelo isolamento internacional da RAS, decorrente da sua abominável política de Apartheid. Pela dita rebeldia, a Inglaterra procedeu de imediato a um bloqueio naval às imediações daquele território, tentando impedir o tráfego de comercialização e abastecimento, principalmente petróleo. Óbvio que, dum modo subtil, como agora é sabido, a RAS, quer diretamente quer em conjugação com as então autoridades coloniais moçambicanas, procuravam atenuar as respetivas consequências com utilização de meios ferroviários, alguns deles construídos especificamente para isso, em território moçambicano, mas que, objetivamente,  ajudavam ao desenvolvimento da Província, financiados pela República da África do Sul.



Conforme é público hoje através da divulgação do ALCORA, essa Rodésia estava autorizada a patrulhar, dentro duma área de fronteira predeterminada, parte do Distrito de Tete, com meios aéreos, no princípio, e também terrestres, posteriormente, tendo a FRELIMO reivindicado o abate de alguns helicópteros, aviões de reconhecimento, e até militares de infantaria, todos rodesianos, como está atualmente documentado; a RAS, através da sua Base Aérea fronteiriça do Rundu (na atual Namíbia), fornecia o mesmo tipo de apoio – mas sem tropas no terreno - no Distrito do Kuando-Kubango, razão pela qual tinha oficiais de ligação residentes no Cuito Cuanavale. A sua área de ação ia até ao paralelo desta localidade, no início, alargando-se posteriormente mais a norte. Essa “ajuda” consubstanciava-se em meios aéreos – Dakotas, Cessnas e Helicópteros Alouette III, sempre descaracterizados e desarmados –, para apoio logístico e também para transporte de tropas, sendo que, neste último caso, obrigatoriamente acompanhados dum Heli-Canhão português, e igualmente no fornecimento de material de guerra diversificado – parte dele a título de empréstimo e outro vendido -, desde armamento  (principalmente o pesado), munições, peças sobressalentes de todo o tipo, mormente para Helicópteros e Blindados Panhard, de viaturas, material de transmissões, à mais diversa gama de que Portugal então necessitava, de harmonia com o conteúdo da citada obra dos coronéis referenciados. Inclusive foram feitos empréstimos monetários ao nosso país no valor de milhões de Rands, parte do qual pago com o petróleo que Angola já extraía.
A zona de fronteira em Moçambique (Distrito de Tete) era uma área de infiltração de Tropas de Guerrilha da ZANU (sigla em inglês de União Nacional Africana do Zimbabwe), apoiada pela China, e da ZAPU (Zimbabwe African People’s Union), esta apoiado pela então União Soviética, movimentos que se guerreavam entre si, mas que tinham o objetivo comum de banir o poder branco autoinstalado e lutar pela independência em relação ao Reino Unido.
A fronteira sul de Angola, principalmente a denominada Faixa do Caprivi, era a zona de passagem dos guerrilheiros da SWAPO (South West Africa People’s Organization) - cujo apoio logístico naquela área lhes era ministrado pelo MPLA - que lutavam pela expulsão dos sul-africanos da sua terra namibiana, denominada ainda então oficialmente por Sudoeste Africano.
A República da África do Sul, ao abrigo desse Acordo, exigiu de Portugal o reforço, nessa zona-tampão, de mais um Batalhão, razão por que a minha Companhia foi render, ao tempo, um Grupo de Combate (Pelotão), possivelmente com deslocação posterior de mais Companhias que completassem os efetivos pretendidos, situação que desconheço se aconteceu ou não porque entretanto acabamos a Comissão e o livro citado é omisso nessa matéria.
Percebi mais concretamente só agora o porquê do meu batismo de voo ter sido feito num avião militar dos “nossos primos”, designação eufemística aplicada aos sul-africanos nesta aliança, mas também apelidados por nós de carcamanhos.

Carlos Jorge Mota

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