Dia de chegada do Cessna, dia de
Correio, portanto. Uma operação helitransportada iria decorrer nos dias
seguintes, portanto, a Coutada estava com todos “os nossos primos” pertencentes
à Esquadra de Alouettes de Apoio. Estou a ler a carta recebida de casa e tenho
os olhos lacrimejantes. Um carcamanho
aproxima-se de mim e pergunta: “Bad
news?” Explico-lhe que o meu pai está muito doente, que diz que não quer
morrer sem me voltar a ver, e a família pergunta se posso vir à Metrópole.
Estiveram meses a esconder-me dois AVC’s que o meu pai sofrera, no espaço de
poucos meses. Ele nunca se conformou com a minha ida para África, até porque
não tive coragem de me despedir dele. Parti como se voltasse no próximo
fim-de-semana, mas sabia que iria para o Uíge
daí a dias. Como já estávamos em 1970, logo no ano imediato ao início da
Comissão, eu tinha já direito a férias. Contei a situação ao Capitão Santana e
ele disse logo de imediato: - “Oh Mota,
trate já disso que eu dou despacho favorável já hoje e remeto para o Comando de
Setor, via Rádio, para aprovação”. Tudo resolvido com muita rapidez,
incluindo os contactos com a TAP para aquisição dos bilhetes e do benefício que
nós, militares, tínhamos em poder pagar em 12 prestações mensais, descontadas
no vencimento (soldo). Embarco no Cessna
sul-africano para Serpa Pinto e fico lá a aguardar passagem para Luanda, por
avião da D.T.A. (Divisão dos Transportes Aéreos), via Nova Lisboa, uma vez que
o voo não era diário.
O Castro Maria, o Autor, o Acácio Sampaio e outro Camarada |
Aí sou acolhido pelo pessoal
graduado, quase todo do meu Curso de Milicianos. Estou com o Acácio Sampaio
(meu amigo de infância), com o Rego, com o Fernandes, com o Zé Mário (e a sua
cabrinha), com o Castro Maria e outros mais que não me lembro. Estando no
quarto a ver fotografias, vejo, numa delas, o Sarreirita, camarada que
pertencia ao meu Pelotão de Instruendos e em cuja fila, que era por alturas,
ficava muito próximo de mim. Ele sofria do coração e tinha dificuldades nos crosses. Levei-lhe a arma, carregando
duas, portanto, várias vezes, porque ele fraquejava um pouco. Dizia nessa
altura que tinha a certeza que iria para Atirador e que iria morrer na Guerra.
Dizia-lhe eu; “eh pá, as tuas chances são as mesmas das minhas e de todos nós! Tem calma e vamos mas é
acabar esta fase”. Nunca mais o vi, pois cada um seguiu o seu destino, para
as mais diversas Especialidades. Retomando a narração: pergunto então por ele e
fico a saber aí o que lhe aconteceu no Lupire, Destacamento do Cuito Cuanavale.
Mais tarde, muitos anos depois, através do David Ribeiro, meu colega de Banco e
que com ele estava no Destacamento, conheço os pormenores: de noite, estando
vestido de pijama e sem sono, resolveu levantar-se e, não fumando, foi pedir
tabaco e lume a uma sentinela que estava de reforço. Não a encontrando no
posto, dirigiu-se, pelo lado de fora do aquartelamento, a uma outra, e
visualizou os dois soldados. Escuro como breu. Constava-se que ali os “turras”
tinham o hábito de, à noite, andarem de pijama. Talvez boato, mas era levado a
sério. O homem que estava de sentinela, não o reconhecendo perante a escuridão,
gritou, como mandam as regras militares: “quem
vem lá faz alto!” e aponta-lhe a G-3. O Sarreira, pensando que ele estava a
brincar, não respondeu e continuou a avançar. O homem dispara e atinge-o na
zona abdominal. Permanece sempre completamente lúcido e conta como tudo se
passou. Chegado o Enfermeiro, tenta estancar-lhe o sangue que entretanto brota
do enorme buraco que tem nas costas, por isso fica sempre deitado de barriga no
chão para lhe poder ser colocadas mechas. Pede-se evacuação, mas o Héli, como
era normal, só chega de manhã, e ele segue então para Nova Lisboa e depois para
Luanda, dado que o estado era muito grave. Passou-se uma semana e toda a gente
no Destacamento se convenceu que o Sarreirita se tinha safado. Mas não. Morreu
nesse dia à noite. O silêncio da informação foi para evitar perturbação
psicológica. Teve que ser retirada a arma ao homem que abriu fogo, pois ele
ficou completamente transtornado e receavam que se suicidasse.
Ironia do destino: o Castro
Maria, citado acima, acabada a Comissão, também se tornou meu colega de
profissão, pois empregou-se no Banco Borges & Irmão, primeiro no Porto,
onde o encontrei várias vezes, depois em Vila do Conde, sua terra natal e onde
vivia, cuja família era e é conhecida pela alcunha dos Varelas. Num brutal assalto ao Banco, perpetrado por energúmenos
transportados de moto, ele é abatido com um tiro na cabeça, pois, não se tendo
apercebido de nada porque estava absorvido no computador, não se imobilizou,
como os bandoleiros exigiram. Fui ao seu funeral que, com tanta gente presente
e a demora do cortejo fúnebre, só desceu à terra já noite cerrada.
Embarco para Luanda e logo nessa noite parto para o Porto, via Lisboa, em avião da TAP. Estávamos em fevereiro, frio de rachar, e eu com roupa tropical. A família e namorada me esperavam no Aeroporto de Pedras Rubras, com o meu sobretudo, um chapéu e um cachecol.
Embarco para Luanda e logo nessa noite parto para o Porto, via Lisboa, em avião da TAP. Estávamos em fevereiro, frio de rachar, e eu com roupa tropical. A família e namorada me esperavam no Aeroporto de Pedras Rubras, com o meu sobretudo, um chapéu e um cachecol.
Carlos Jorge Mota
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