Após uma Guerra, todas as Guerras, os Combatentes entram num período
de … NOJO - talvez lembrando-se do NOJO que ela encerra, palavra
literalmente considerada. Procuram ingenuamente esquecer o que na mente está
indelevelmente inscrito, que jamais o subconsciente apagará. Por isso
desligam-se de tudo que a ela se reporte e fogem sistematicamente, e até de
modo inconsciente, ao tema, como autodefesa. O tempo, porém, cura tudo, lá diz
o povo. Ele vai passando, o Bilhete de Identidade e as mazelas vão-nos lembrando
o tempo já decorrido, as amarguras tenuemente se desvanecem, vão ficando
acinzentadas, mas as imagens, os sentimentos, as emoções, estão lá. Curadas?
Não! Nesta matéria o adágio só parcialmente está certo. O tempo produz
melhoras, mas não cura.
Foi dentro deste princípio que decorreram 19 anos, tempo findo o qual
resolvi meter ombros a uma tarefa árdua, na ânsia de reencontrar Camaradas que
comigo fizeram uma Viagem de Juventude, para os ver, para os abraçar, conversar,
discutir ideias, apresentar a mulher e os filhos, mas numa situação de
igualdade de cidadania, despidos de eventual diferença de graduação militar,
onde todos se sentissem nivelados, sem preconceitos de qualquer tipo.
Baseado no livrinho do Batalhão que nos fora distribuído, busquei nomes
e endereços e eis-me em 1990 a
escrever a primeira carta para todo o pessoal, auscultando o seu desejo e
disponibilidade para um encontro, e averiguando a melhor época para o efeito.
Muitos não responderam e cartas várias vieram devolvidas: umas, com a marcação
de “Desconhecido”, outras com o termo inesperado de “Falecido”. Mas … o mais emocionante para mim foram
três telefonemas que recebi de viúvas de Camaradas a anunciar o seu estado de
viuvez, com voz compreensivelmente embargada.
Recolhido o retorno das primeiras respostas, a galvanizar o entusiasmo
para o trabalho a desenvolver, aí estou a remeter uma segunda carta, agora já
com caráter vinculativo, para uma Confraternização a realizar na Liga dos
Combatentes, em Coimbra. A Liga obrigou-me a uma entrega antecipada, como
caução, duma determinada importância, ficando eu responsável pelo pagamento do
número de refeições que indicasse, independentemente das pessoas aparecerem ou
não. Corri riscos, mas, felizmente, todos se apresentaram, inclusive mais alguns
camaradas não previamente inscritos. Valeu, pois, essa ligeira preocupação
pois, a partir do arranque, os outros Convívios facilmente se diligenciariam.
O Capitão Santana (então já Tenente-Coronel), ao dar-me um abraço, em
Coimbra, diz-me: “Mota, sempre pensei que
isto ia partir de si, devido ao seu perfil organizativo, não obstante eu (e até
outros) já ter pensado nisto. Parabéns pela iniciativa”.
Aí assentámos logo que, no ano seguinte, perfazendo 20 anos o nosso
regresso, se poderia fazer uma Cerimónia dentro da nossa Unidade Mobilizadora,
em Abrantes, até porque o Comandante tinha sido do seu Curso na Academia
Militar. Disse-me que se encarregaria dessa parte cerimonial e eu executaria as
outras tarefas organizativas. Sugeri eu que, na minha opinião, para não se
banalizarem estes Convívios, eles só ocorressem depois a cada quatro anos. Cedo
me apercebi do absurdo desta sugestão, pois a lei da vida é inexorável, mas …
naquela época tínhamos quarenta e poucos anos, pensava eu (porventura todos)
que um desaparecimento precoce era assunto que não nos dizia respeito. Mas
aconteceu.
Há pouco mais de um mês, vim a tomar conhecimento, fruto duma conversa telefónica, que o Fernando Temudo e o António Amaral terão sido solicitados pelo Capitão Santana (já Tenente-Coronel) a colaborar nas diligências desta segunda Confraternização, inclusive com deslocações a Abrantes, quer ao Quartel quer ao Restaurante. Em relação ao Quartel, nada de surpreendente pois a responsabilidade ficou sob a alçada do Capitão Santana, mas, em relação ao Restaurante, esta situação já me causa surpresa, espanto até, porque eu próprio me desloquei ao Restaurante A NORA, em Concavada, para fazer um reconhecimento e assentar condições. A ser verdade, e não tenho razões para duvidar, fica aqui o registo e o nosso reconhecimento pela ação. Lamento apenas que nenhuma informação atempada fosse transmitida - eu nada possuo nos meus documentos que detenho sobre todas as Confraternizações, desde a primeira, e tenho-os todos, e não me lembro de algo me haver sido comunicado oralmente -, para que ficasse a constar dos anais da História da Companhia de Caçadores 2506.
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Primeira Carta |
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Carta do Adário
Carta do Jorge Araújo
Carta do Francisco Freitas
Carta do Santo (frente) - falecido há já uns anos, em acidente
Carta do Santo (verso)
Carta do Riachos (que também já nos deixou)
Carta do Duarte, escrita da Alemanha
Carta do Joaquim Costa, escrita da Suiça
Minha segunda carta, já Convocatória
Recibo de 86 Almoços
Carlos Jorge Mota
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