Finalmente, o almejado dia chegou: 8 de maio
de 1971, data do fim da Comissão. Daí para a frente entraríamos no “mata-bicho”
(designação que em Angola tinha dois sentidos – agora só tem um: para os civis
significava “Pequeno-Almoço”; para os militares era o tempo entre a data do fim
da Comissão e a do Embarque de regresso).
Vou ao Sacassanje encontrar-me com o pessoal que estava nesse momento na
picada, para festejo geral. Não bebi muito mas a mistura do que me deram, em
confraternização, arrasou comigo: apanhei uma bebedeira que pensei que ia
morrer. Nunca tinha tido tal experiência, apesar de habitualmente beber todo o
tipo de álcool, só que moderadamente e sem misturas. Tenho consciência que fiz
uma figura patética, não fosse o compreensível momento, seria ridícula até e mesmo
reprovável. Sei que os Soldados riam-se do que eu fazia e do que eu dizia. Mas
também não fui o único.
Entre o pessoal de Transmissões: o Coimbra (de manta), o Honorato e o Riachos (já desaparecido) |
Todo
o pessoal de todas as Companhias do Batalhão, nos respetivos locais onde se
encontravam, festejaram dum modo especial aquele desejado dia. No regresso ao
Luso, no jipe com o Capitão Santana ao volante, eu ria, cantava, vociferava.
Ele manteve-se sempre calmo e completamente sóbrio, talvez por indispensável
precaução e exemplo de recato, e teve a amabilidade de me transportar a casa,
até porque seria muito perigoso para mim, sob o ponto de vista disciplinar, ser
topado na rua naquele estado, fardado e armado de G-3. Deitei-me, mas não
conseguia permanecer na cama pois tinha a sensação de que me encontrava num
barco a afundar. Foi uma noite horrível, sempre a correr para o
Quarto-de-Banho, “a lançar a carga ao mar”. Os outros riam-se, mas também só
estavam um pouco melhor do que eu.
Dia
seguinte, manhã complicada, pois a nossa Guerra não tinha ainda acabado. Era
preciso ultrapassar a situação para dar seguimento às tarefas. Dois banhos, um
em cima do outro. E, pelo continuar das horas, a “coisa” lá foi melhorando …
Na
semana imediata, talvez porque eles
soubessem que estávamos no fim da Comissão e queriam afirmar-se, como
despedida, montaram uma emboscada em plena zona do Sacassanje, nossa zona de
proteção às obras. O Ajax, condutor
da Berliet que seguia à testa da coluna, aguentou ao volante os momentos de
fogo e conseguiu inverter a marcha para uma melhor posição, enquanto o Luís
Brandão de Macedo, em pé e de peito descoberto, metralhava a zona onde eles se
encontrariam. Debandaram rapidamente, tipo “bate e foge”.
Nada
mais de assinalável e que mereça especial referência aconteceu até ao dia em
que recebemos ordem de regresso a Luanda.
Como
o Fernandito, portuense colocado no Comando de Setor com quem havia feito
amizade na Cristália, e já atrás citado, me havia dito que talvez me
conseguisse uma passagem de avião militar para Luanda, coloco a questão ao
Capitão Santana no sentido de auscultar o seu consentimento, uma vez que a
minha presença no Comboio e nas viaturas, para enquadramento do meu pessoal,
poderia ser dispensada. Aquiesceu e disse-me que até seria bom porque, dessa
forma, eu começaria de imediato a tratar duma série de diligências a fazer
junto das respetivas Chefias dos vários Serviços, em Luanda: de Intendência, de
Material, de Armamento, de Transmissões, etc.
Aeroporto do Luso, onde o Chembene se deslocou num PV2 para se encontrar comigo e onde embarquei no Nord-Atlas |
Bilhete
na mão, conseguido pelo Fernando, aí estou eu a entrar para um Nord-Atlas, da
FAP, conhecido como Barriga de Ginguba,
que me proporcionou uma viagem de cerca de três horas. Aterro em Luanda, na
zona militar do Aeroporto. Vou para casa dos tios do Fontes, que, entretanto,
já tinha acabado a Comissão e regressado à Metrópole. Durmo lá e, no seguinte,
começo a tratar dos assuntos incumbidos.
Carlos Jorge Mota
Carlos Jorge Mota
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